A Suíça é um país atípico: fica no meio da Europa, mas não é parte da União Europeia; ao contrário dos outros países europeus, nunca teve um rei; é o único país do mundo que não tem uma capital oficial; e seus cidadãos vão às urnas até quatro vezes por ano.
A Suiça também é um país bastante estereotipado: seu nome nos faz pensar imediatamente em chocolate, queijo, relógios, montanhas nevadas e contas bancárias secretas.
É um país interessantíssimo, que vamos explorar nesse post.

Território
A Suíça é uma confederação formada por 26 estados, chamados de cantões (termo medieval que significa “lugar”).

Mapa dos Cantões. Fonte: Office fédéral de topographie (swisstopo)
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Até o século XIII, todos esses cantões eram simplesmente territórios do Sacro Império Romano Germânico (que, na época, ocupava cerca de metade da Europa – a parte colorida desse mapa):

Fonte: World History. Imagem original: Alphathon.
A transformação de um grupo desses territórios na Suíça que conhecemos hoje foi um processo longo.
Lentamente, cidades (também chamadas comunes) e regiões (também chamadas cantões) foram se unindo com o objetivo de proteger sua autonomia dentro do Império.
As fronteiras de hoje e a independência política reconhecida pelos outros Estados europeus foram estabelecidos só no século XIX.
Mas os suíços gostam de contar sua história desde os primórdios e, por isso, celebram o dia nacional da Suíça em 01 de agosto.
É uma referência a data de um acordo feito em 1291, entre três do total de 26 cantões que compõem a Suíça hoje.
A Formação da Suíça
O Surgimento da “Antiga Confederação Suíça”
Os cantões que se uniram no final do século XIII foram Ury, Schwiz e Unterwalden, que destaquei com o círculo azul.

Naquele tempo, o termo cantões ainda não era usado. A união de fato ocorreu entre a população dos três grandes vales que existem nessa região.
A motivação do acordo de mútua proteção foi defesa contra os inimigos externos: pequenos reinos vizinhos que tinham interesse econômico na região.
É que o caminho através desses vales havia tornado-se a melhor opção de trajeto entre Alemanha e Itália.
Isso graças à construção, algumas décadas antes, de uma ponte sobre o penhasco São Gotardo (já falamos sobre essa estrada no post sobre turismo nos Alpes).
O crescimento da importância comercial da região estava atraindo a atenção dos vários pequenos reinos que compunham o Sacro Império Romano Germânico e que, agora, tinham motivos para tentar incorporar os vales ao território de seus reinos.
Para manter a autonomia, a população dos vales acreditava que a melhor opção era ficar sob controle direto do imperador.
Foi com esse objetivo que eles fizeram um “juramento de companheirismo” (Eidgenossenschaft), em que se comprometiam a proteger-se mutuamente dos reinos vizinhos.
Não demorou muito para que a região dos três vales passasse a ser chamada Schwyzer (que, a partir de agora, vamos chamar de “Antiga Confederação Suíça”).
Essa primeira Suíça era um pedacinho de terra de nada, simplesmente o conjunto dos vales ao redor da estrada que vinha da Alemanha até a passagem São Gotardo, quase na atual Itália.
Mas, ao conseguir reconhecimento como um território sob proteção direta do imperador e com direito a governo próprio, essa região tornou-se um parceiro apropriado para outras regiões dos Alpes que estavam em situação parecida.
Isso possibilitou que vários outros territórios fossem unindo-se à Antiga Confederação Suíça, que, no ano 1600, já contava com 13 dos 26 cantões que o país tem hoje.

Em uma Europa dividida entre católicos e protestantes (o século XVII é a época das “guerras de religião”), é interessante notar que metade dos terrritórios que formavam a Antiga Confederação Suíça eram católicos (Uri, Schwyz, Unterwalden, Luzern, Fribourg, Solothurn e Zug) e metade eram protestantes (Zürich, Bern, Glarus, Basel, Schaffhausen e Appenzell).
Uma outra união de cidades: “Três Ligas”
Enquanto a Antiga Confederação Suíça expandia-se, uma outra liga de cidades importantes, mais para o sudeste, ia se consolidando. Ela ficaria conhecida como “Três Ligas” (Drei Bünde).
Ela era formada pelos territórios que correspondem ao atual cantão Grisons (onde ficam Davos, Saint Moritz e Chur, a cidade mais antiga do país).

Essas duas ligas (a Antiga Confederação Suíça e a nova Três Ligas) continuaram existindo de forma independente até 1798.
Mas elas não eram completamente independentes uma da outra, já que vários territórios que eram parte das Três Ligas também tinham acordos com a Antiga Confederação Suíça.
Se considerarmos essas alianças é possível dizer que, já no final do século XVI, grande parte do território que configuraria a atual Suíça estava integrado.
Mas não existia uma nacionalidade ou cultura suíça: o que existia eram culturas locais, de populações que viam a si mesmas como qualquer outro território alemão dentro do Sacro Império Romano Germânico.
O Surgimento de uma Nacionalidade Suíça
Foi durante os séculos XVII e XVIII que começou a surgir a noção de “identidade helvética”.
O termo helvética vem de helvetii, o nome da população celta que havia habitado aquela região durante o tempo do Império Romano, antes da chegada das tribos germânicas.
No ano 1642, por exemplo, foi publicado um livro chamado Topographia Helvetiae, Rhaetiae et Valesiae, descrevendo a geografia do território que, mais tarde, seria chamado Suíça.
É o termo Confederação Helvética que une, até hoje, esse povo que tem não apenas 4 idiomas oficiais (mais sobre isso em seguida) como também tem 4 nomes oficiais (acompanhando os 4 idiomas):

Por isso é que as letras CH, iniciais de Confederação Helvética, estão por toda a parte, inclusive no endereço de websites suíços (que geralmente terminam com .ch) e na moeda (o símbolo do franco suíço é CHF).
E embora as placas de carro ainda não contenham o CH, quando carros emplacados na Suíça viajam ao exterior eles precisam ter um adesivo com essas iniciais (que indicam a procedência do veículo como suíça).
O Surgimento do Estado Suíço
Em 1798, os territórios da Antiga Confederação Suíça e das Três Ligas foram ocupados pela França (no contexto das guerras napoleônicas).
Os franceses estabeleceram que aqueles territórios seriam chamados de República Helvética, e seguiriam o modelo administrativo da França: haveria um governo central, que controlaria o conjunto dos territórios.
A República Helvética (parte colorida do mapa abaixo) tinha praticamente o mesmo território que a Suiça tem hoje (a linha vermelha do mapa):

Fonte: Wikipedia by Marco Zanoli – CC BY-SA 4.0
A centralização, que retirava a histórica autonomia dos cantões, mostrou-se insustentável.
Em 1803 entrou em vigor um novo modelo administrativo, em que os cantões suíços voltavam a formar uma Confederação, ou seja, cada região seguiria suas próprias leis.
A função do governo central nesse novo modelo passava a ser apenas representação dos cantões em negociações internacionais e arbitragem em disputas entre os cantões.
Em 1815, com a derrota de Napoleão e a reordenação das fronteiras europeias, a Confederação Suíça recebeu novos territórios, antes pertencentes à França: os atuais cantões Genebra, Valais e Neuchatel.

O modelo de confederação, com autonomia dos cantões, saiu fortalecido desse processo.
E foi nesse momento, durante o Congresso de Viena (1815), que a neutralidade do país, uma das principais características da Suíça, foi estabelecida por tratado e ratificada pelos principais países europeus.
Há dois tópicos interessantes em relação à neutralidade suíça.
O primeiro é a fundação da Cruz Vermelha, há mais de 150 anos; o segundo é o tipo de neutralidade que garante a estabilidade do país: a “neutralidade armada”.
Falaremos deles mais adiante. Voltemos ao Congresso de Viena!
Com o final da era napoleônica, a política interna da Confederação Suíça foi marcada por disputas entre os cantões católicos (conservadores) e os protestantes (liberais).
O resultado foi uma breve guerra civil in 1847 (durou apenas 25 dias), vencida pelos liberais.
O conflito foi resolvido com o estabelecimento de uma constituição federal que estabelecia um modelo político inspirado no norteamericano: com instalação de um parlamento bicameral e uma clara separação entre os poderes legislativo, executivo e judiciário.
Essa constituição marca o início formal da Suíça dos dias de hoje, um país com 4 idiomas oficiais: alemão, francês, italiano e romanche.

Fonte: Federal Statistic Office
O alemão, idioma mais falado no país, vem da ocupação germânica, iniciada no século V. Podemos associar o idioma aos territórios que formavam a Antiga Confederação Suíça.
O italiano é falado apenas no cantão Ticino, que pertencia à Milão até o século XVI, quando foi cedido para a Antiga Confederação Suíça (dizem que Ticino ainda parece um pedacinho da Itália; confira o depoimento de um ticinense aqui).
O francês é falado nos territórios que pertenceram à França e foram incorporados à Suíça no século XIX.
O quarto idioma oficial do país é o romanche, um idioma que surgiu em Grisons (aquele cantão formado pelas Três Ligas) quando o latim dos soldados romanos que chegaram lá, há dois mil anos, misturou-se com o idioma local.
O romanche começou a ser substituído pelo alemão no século XV, quando Três Ligas aproximou-se da Antiga Confederação Suíça, em que o principal idioma era o alemão.
Embora a maioria da população de Grisons já fale alemão desde o século XIX, em 1938, em uma votação nacional, 90% dos suíços apoiaram que o romanche fosse aprovado como o quarto idioma oficial do país.
De lá para cá, o governo investe regularmente na promoção e sobrevivência do idioma, hoje falado por apenas 60 mil pessoas.
Aproveitando o tema voto popular, vamos falar de democracia direta, outra característica super interessante desse país alpino.
A Suíça Hoje
Sistema Político
A Suíça orgulha-se de seu modelo político conhecido como democracia semidireta. Ele busca decisões por consenso (ou, pelo menos, maioria) e conta com ampla participação popular.
Pra começar, o país não é liderado por um presidente, mas sim por um Concelho Federal, formado por sete pessoas escolhidas pelo parlamento.
A cada ano, uma dessas sete pessoas ocupa a posição de Presidente da Confederação Suíça.
Além disso, a Suíça leva a participação popular super a sério: a constituição estabelece que muitas decisões não podem ser tomadas pelos políticos sem ouvir a população antes.
Por isso, os suíços são “chamados às urnas” várias vezes por ano, às vezes em nível federal, às vezes em nível regional.
Esses referendos também existem em outras democracias – mas a Suíça sozinha é responsável por metade dos referendos que acontecem no mundo. A consequência é que os suíços são convidados a votar pelo menos quatro vezes por ano.
O sistema tem suas dificuldades, como baixa participação (em geral apenas 40% dos eleitores se manifestam) e atraso na aprovação de leis importantes (a lei que dá direto à voto para mulheres foi criada pelo parlamento em 1959, mas apenas aprovada pelos cidadãos 12 anos depois).
Ainda assim, os benefícios são inegáveis: o modelo promove a participação política dos cidadãos e força a transparência das instituições, fazendo do sistema político suíço um dos mais estáveis – se não o mais estável – do mundo.
Economia
O PIB suíço está sustentado por dois setores: serviços (72% do PIB) e indústria (25%) do PIB. A geografia do país alpino dificulta a agricultura em larga escala.
O setor de serviços é super diversificado. Mas um dos destaques é exatamente aquele que a gente tem em mente quando pensa na Suíça: o setor financeiro. Sozinho ele representa 10% do PIB.
A história das contas secretas tem sua origem em uma lei de 1934 que transformou em crime a divulgação de informação bancária sem a prévia autorização dos clientes.
Isso fez com que a Suíça se tornasse um paraíso para lavagem de dinheiro e evasão fiscal.
Críticas do sistema internacional provocaram alguma mudança nos últimos anos: atualmente, os bancos suíços são obrigados a revelar informações bancárias em casos de suspeita de lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo, evasão fiscal e fraude financeira.
Contas que não são suspeitas continuam com sigilo garantido.
Outro setor super importante para o PIB suíço é a indústria química e de produtos farmacêuticos, outro setor que sozinho representa cerca de 10% da economia.
Empresas como a Novartis ou a Roche investem bilhões em pesquisa e desenvolvimento no país. Mas não são só elas: a Suíça tem uma longa tradição em ciência e tecnologia.
Foi lá que que Albert Einstein desenvolveu a Teoria da Relatividade (E=MC²) no começo do século XX e onde foi descoberta a droga psicodélica LSD (por Albert Hoffman, em 1943).

Eu fotografando o armário do Einstein na Universidade de Zurique
Também é lá que foi montado o acelerador de partículas mais potente do mundo, o Large Hadron Collider (LHC, mais informações aqui).
Já os famosos relógios suícos (que tem uma história interessantíssima que conto mais adiante) representam cerca de 2% do PIB.
Turismo na Suíça
Conhecer o país tem dois aspectos bem diferentes: as cidades e as montanhas.
Normalmente, os turistas querem conhecer as montanhas: estações de esqui, picos nevados, a bucólica paisagem rural onde pastam vaquinhas com sino no pescoço.


Mas a Suíça também é super interessante para quem quer visitar as cidades: sua formação histórica resulta em um país variado, em que cada cidade tem características bastante particulares.
Como falei antes, a região de Ticino parece um pedacinho da Itália; já caminhar por Zurique, um dos principais centros financeiros do mundo, é como passear em uma cidade alemã; e, estando em Genebra, onde fica a sede europeia da ONU, você vai encontrar culinária francesa por todo o lado.
Uma maneira legal de combinar cidade com montanha é chegar por Zurique.
No verão, as pessoas nadam no lago que fica no centro da cidade; no inverno, você pode visitar mercados de Natal que não devem nada aos famosos mercados alemães.
De lá você pode pegar um trem pra Interlaken (que sigifica “Entre Lagos”), uma cidade a 1.000 metros de altitude que é uma base super conveniente para explorar as montanhas.

A partir de Interlaken é possível andar de bicicleta elétrica pelas trilhas nas montanhas, pegar um teleférico até picos com mais de 4,000 metros de altura ou chegar rapidinho a uma das muitas estações de esqui.
Pra saber mais sobre os passeios a partir de Interlaken – e outros passeios pelas montanhas suíças, leia meu post sobre os Alpes.
Produtos Típicos
Se você está pensando em relógios, canivetes, queijo e chocolate… acertou!
O Relógio Suíço
Embora a Suíça seja famosa por seus relógios, de marcas de luxo como Rolex e Philip Patek a outras mais acessíveis como Swatch, o produto não foi inventado lá.
O relógio foi inventado simultaneamente na França e na Alemanha, no século XIV.
No começo, eles eram enormes; levou 200 anos até aparecerem as primeiras versões portáteis.
E o relógio de pulso surgiu apenas no século XX, quando soldados que lutavam na Primeira Guerra Mundial começaram a amarrar seus relógios de bolso no pulso utilizando tiras de couro.
E por que foram os relógios suíços que se tornaram famosos? É porque foi lá que se desenvolveu a produção de relógios de luxo.
Tudo começou no século XVI, no contexto das guerras de religiões.
Nessa época, muitos protestantes franceses fugiram para Genebra, que, na época, era uma cidade-Estado independente.
Entre eles estavam muitos relojoeiros, e, também, João Calvino, que estabeleceu as bases da doutrina protestante que viria a ser conhecida como calvinismo.
Genebra era uma cidade que contava com excelentes joalheiros. E a expansão da doutrina protestante, que proibia o uso de jóias (consideradas símbolos de ostentação), estava atrapalhando seus negócios.
A mistura de joalheiros buscando novas oportunidades de negócio e relojoeiros buscando uma forma de ganhar a vida levaram ao desenvolvimento de uma indústria de relógios de luxo.
Nos séculos seguintes, a produção cresceu muito: atualmente são produzidos 30 milhões de relógios por ano na Suíça. E o termo “relógio suíço” virou sinônimo de produto de qualidade.
Em tempos de globalização, a qualidade do produto viu-se ameaçada algumas vezes. Mas hoje o termo “relógio suíço” (swiss watch) é uma marca registrada.
E há regras bem claras sobre os requisitos mínimos para sua utilização, incluindo a definição de quais partes do produto devem ser produzidas necessariamente na Suíça para que seja autorizado o uso da marca.
O Canivete Suiço
Outro produto super típico da Suíça é esse canivete multifuncional:

Fonte: Victorinox
Ele foi inventado em 1891, especialmente para o exército suíço.
A empresa que os produzia passou a ser chamada Victorinox em 1921, unindo o nome da mãe do fundador, Victoria, com o principal material da produção: aço inoxidável (inox).
O produto se popularizou a partir de 1945, quando o exército norteamericano encomendou uma gigantesca quantidade do produto e disponibilizou para seus soldados em serviço na Europa.
Quando voltaram para casa, eles levaram os canivetes suíços como souvenir.
Hoje, a Victorinox, que continua sendo considerada sinônimo de qualidade, tem uma linha imensa de produtos, incluindo canivetes em vários tamanhos e estilos.
O Queijo Suíço
Falar em queijo suíço é pensar em queijo com furinhos. Tipo esse:

O famoso queijo suíço com furinhos é, na verdade, chamado emmentaler. Ele começou a ser produzido no vale do rio Emme há mais de 500 anos.
O tamanho dos furinhos é controlado pela adição de bactérias propiônicas (Propionibacterium freudenreichii), benéficas, no início do processo de produção do queijo.
Elas consomem ácido láctico (é por isso que o emmentaler é um queijo sem lactose), liberando gás carbônico (CO2) no processo. Quando o gás se expande, os furinhos crescem.
Até 2015, as pessoas sabiam como aumentar os furinhos, mas ninguém sabia como eles surgiam.
Naquele ano, um estudo do instituto suíço Agroscope identificou a presença de pequenas partículas de feno no queijo.
São elas que servem como “núcleo” dos furinhos, que, posteriormente, são aumentados pela presença das bactérias.
Isso explica a redução na quantidade de furinhos nas últimas décadas, período em que a produção tem se tornado mais higienizada e esterilizada.
Para experimentar o queijo emmentaler original (hoje ele é produzido em muitos outros lugares), procure pelo Emmentaler AOP, marca registrada suíça.
O Chocolate Suíço
O chocolate – que também não foi inventado na Suíça – é outro produto que costumamos associar ao país.
Na forma que o conhecemos hoje, ele existe há menos de 200 anos.
Mas, há mais de 3.000 anos, povos nativos americanos, como os astecas e os maias, já cultivavam o cacau. Os grãos eram moídos e, a partir deles, era produzida uma bebida.
Os europeus tiveram o primeiro contato com o chocolate líquido no século XVI, por meio dos navegadores espanhóis. O primeiro carregamento de cacau chegou à Espanha em 1585.
Na corte espanhola, a bebida produzida com os grãos era adoçada, saborizada com canela e baunilha, e servida quente. A iguaria, então acessível apenas aos ricos, chegaria à França e à Inglaterra no século seguinte.
A partir de 1700, os ingleses melhoraram a textura e sabor do produto adicionando leite.
Levaria mais 150 anos até que o preço da bebida baixasse e o chocolate líquido se tornasse acessível para a população em geral.
Durante esse período, ocorreram várias inovações que possibilitaram o surgimento do chocolate em barra no final do século XIX.
Em 1828, na Holanda, foi criado um processo para a produção de chocolate em pó; em 1847, um inglês descobriu que, misturando aquele pó com manteiga de cacau e açúcar, ele conseguia criar uma pasta que podia ser moldada na forma de barras.
A partir daí começou uma corrida para melhorar a textura e sabor da barra de chocolate. Entre os empreendedores do setor estava Daniel Peter, um suíço que tinha uma fábrica de chocolate líquido.
Buscando melhorar o produto, ele fez uma parceria com Henri Nestlé, um outro suíço que estava fazendo vários experiementos com leite em pó (seu objetivo era criar uma comida para bebês).
Peter e Henri tentaram fazer chocolate em barra com leite em pó por muito anos; até que finalmente descobriram que, substituindo o leite em pó por leite condensado, chegavam na textura e sabor que estavam buscando.
A Nestlé, a empresa criada para comercialização do novo produto, foi fundada em 1879.
E, na década de 1890, uma inovação criada por Rudolf Lindt, melhorou ainda mais a textura do produto: surgia o “chocoloate que derrete na boca”.
A Nestlé conseguiu popularizar o produto e, junto com outras marcas, promoveu o conceito de que o melhor chocolate vem da Suíça.
Um dos produtos que mais contribuiu para divulgar esse conceito internacionalmente foi o Toblerone, produzido por outra fábrica de chocolates suíça, a Tobler & Cia.
O chocolate com forma triangular e que misturava chocolate suíço com mel e amendôas foi criado em 1908.
O nome Toblerone é uma combinação do nome da fábrica, Tobler, com torrone, nome de um doce típico italiano feito com mel e amêndoas.
As referências explícitas à Suíça na embalagem e na comunicação vêm desde seu lançamento.

Fonte: Toblerone
A partir de 1970, a embalagem do Toblerone passou a fazer também uma referência visual à Suíça: ela passou a incluir uma imagem do pico Matterhorn, o mais alto do país e que, assim como o chocolate, tem forma de triângulo.



Fonte: Now Village
Personagens Clássicos da Suíça
Mas não são só produtos que associamos à Suíça. Existem também algumas figuras que associamos diretamente ao país.
Os principais são uma força militar (a Guarda Suíça), um arqueiro medieval (Guilherme Tell) e uma menina criada nas montanhas (Heidi).
Guilherme Tell, o mito fundador
Uma das trilhas sonoras mais famosas do mundo, popularmente conhecida como “a música da cavalaria” (escute aqui) está diretamente ligada à história da Suíça.
Ela foi composta por Gioacchino Rossini, no século XIX, como parte da ópera que conta a história do arqueiro Guilherme Tell.
Lembra que eu contei que as regiões que formam a Suíça queriam manter sua autonomia e, ainda no século XIII, três cantões uniram-se formando a Antiga Confederação Suíça?
Tell, que era um excelente arqueiro, teria vivido naquela mesma época e teria sido um dos líderes dos movimentos de autonomia.
Como vingança, o representante do imperador mandou Tell provar que era mesmo um grande arqueiro: ele deveria colocar uma maçã na cabeça de seu filho e atirar. Ele mirou e acertou a maçã.

Classics lllustrated No. 101 – Capa de “William Tell” (1952) ilustrada por Henry C. Kiefer ©. Propriedade de marca First Classics, lnc.
Mas a história não acaba aí: o governador prendeu Tell mesmo assim.
Nosso herói, claro, conseguiu fugir, matar o governador e dar início à revolta que teria levado à formação da Antiga Confederação Suíça.
Embora seja um mito – não há evidências históricas de sua existência – Guilherme Tell representa a liberdade e coragem do povo suíço.
E já que estamos falando de música, aproveito para falar do canto típico dos pastores dos alpes: o iodeli.
Formado por uma combinação de tons altos e baixos, esse canto era uma forma de comunicação entre os pastores dos Alpes.
O nome é estranho, mas garanto que o som é familiar! Escuta um pouquinho nessa cena do filme “A Noviça Rebelde”.
Heidi, a Adorável Menina das Montanhas
Já o personagem literário mais famoso da Suíça é a menina Heidi, interpretada no cinema pela estrela-mirim Shirley Temple.

Fonte: IMDB
O livro infantil, publicado em 1880, narra a história de uma órfã que é enviada para os alpes suíços para ser criada pelo seu avô.
Ele foi traduzido para 50 idiomas e adaptado para cinema, teatro e desenho animado – até em japonês!
Acredita-se que um dos motivos do sucesso internacional do livro seja a descrição das belas paisagens alpinas e do estilo de vida simples das montanhas.
A autora, Johanna Spyri, teria se inspirado nas paisagens da região de Maienfeld, cidade suíça que costumava visitar.
A área tem hoje o nome turístico de Heidiland (terra da Heidi), e lá foi criada uma pequena cidade (Heididorf) representando o que teria sido “o local onde Heidi cresceu”.
A Guarda Suíça
Provavelmente você já ouviu esse termo em algum lugar: a Guarda Suíça é a guarda pessoal do papa e opera no Vaticano.
O batalhão é independente do estado suíço, mas, para participar dele, é necessário ser um cidadão suíço e ter passado pelo serviço militar do país.
Os guardas são famosos por suas roupas coloridas em estilo renascentista:

Fonte: Alberto Luccaroni, Wikipedia, CC BY-SA 3.0
Mas, afinal, por que é um grupo de suíços que garante a segurança do papa? Tradição! A capacidade militar dos suíços é respeitada pelos outros povos europeus há longa data.
O historiador romano Tacitus, que viveu há dois mil anos, escreveu: “Os helvéticos são guerreiros, famosos pelo valor de seus soldados”.
A partir do século XIII, com as vitórias da Antiga Confederação Suíça sobre seus vizinhos que tentavam ocupar seus territórios, essa fama aumentou.
Nos séculos seguintes, com a estabilização de suas próprias fronteiras, os suíços passaram a prestar serviços como mercenários para os outros Estados europeus, incluindo para os então chamados Estados Papais (que incluiam Roma e outros territórios italianos controlados pelo papa).
Havia tantos suíços trabalhando para tantos diferentes reinos, que, logo, havia suíços lutando contra suíços em toda a parte.
Isso levou os cantões a entrarem em acordo de que os suíços não poderiam mais trabalhar como mercenários a serviço de outros Estados.
O único batalhão de mercenários suíços que permaneceu ativo foi um grupo de 150 homens que protegia o papa. E esse batalhão, conhecido como Guarda Suíça, é responsável pela guarda pessoal do papa até hoje.
Um país neutro
Encerramos nosso post sobre a história da Suíça falando sobre sua famosa neutralidade.
Como falamos antes, há dois tópicos interessantes em relação à esse tema: a fundação da Cruz Vermelha e o conceito de “neutralidade armada”.
Cruz Vermelha
A maior organização humanitária do mundo (com presença em 192 países) foi fundada pelo suíço Henri Dunant, na década de 1860.
Ele presenciou a batalha de Solferino, entre tropas francesas e austríacas, em que milhares de soldados feridos foram abandonados à sua própria sorte no campo de batalha.
Dunant organizou, com outros voluntários, serviços médicos e humanitários para esses soldados.
Em seguida publicou um livro sobre a experiência (pdf grátis, em inglês, aqui), no qual propunha a formação de grupos internacionais para prevenir e aliviar o sofrimento em tempos de guerra e paz, independentmente de raça, nacionalidade ou religião.
Disso surgiram o Comitê Internacionl para Alívio dos Feridos (hoje Comitê Internacional da Cruz Vermelha) e a primeira Convenção de Genebra.
Nela, os principais países europeus se comprometiam a não atacar locais e pessoas envolvidos no cuidado aos feridos, receber combatentes feridos de forma imparcial, proteger os civis envolvidos no cuidado a feridos e reconher o sinal da Cruz Vermelha como símbolo de áreas e/ou pessoas protegidas.
Não é à toa que o símbolo da Cruz Vermelha é o negativo da bandeira da Suíça.

Nessa mesma época, além de tentar garantir a neutralidade dos feridos, a Suíça buscava também maneiras de garantir a sua própria neutralidade em conflitos armados.
Neutralidade Armada
Conseguir que os outros países europeus reconhecessem a neutralidade suíça por tratado no Congresso de Viena (1815) havia sido um passo importante; mas era preciso também garantir que eles soubessem que pagariam caro caso resolvessem ignorar o acordo.
Desde então a Suíça investe estrategicamente na defesa (armada) de seus cidadãos.
O serviço militar no país é obrigatório para homens (e opcional para mulheres) e todos os cidadãos mantém suas armas e munições em casa após o serviço militar.
Isso possibilita uma rápida mobilização militar caso seja necessário.
A Suíça é hoje o terceiro país do mundo com maior número de armas por habitante: 45 armas por cada 100 habitantes.
Além disso, desde 1963, existe uma lei que garante que existam bunkers para abrigo de todos os habitantes do país – há mais de 370.000 abrigos desse tipo na Suíça.
Pra terminar
Para quem quer conhecer um pouco mais sobre a Suíça, recomendo a leitura do livro History of Switzerland, de Andrew Green. É um panorama geral sobre o país, super leve e fácil de ler.
Já esse vídeo (inglês, 11 minutos) mostra os detalhes da formação territorial da Suíça, que descrevi brevement nesse post.
Finalmente, se você quer ir fundo na história da região e entender mais sobre o Sacro Império Romano Germânico ao longo de seus mil anos de existência, minha dica é esse livro, escrito pelo historiador Peter H. Wilson, professor na Universidade de Oxford.