A Espanha divide-se em 17 Comunidades Autônomas. Duas das maiores delas, ocupando quase 40% do território espanhol, levam a palavra “Castela” no nome.
Ao norte de Madri, fica a Comunidade de Castela e Leão; e, ao sul, a Comunidade de Castela-Mancha.

Fonte: Geografia Infinita
Entender a história dessas duas regiões espanholas é entender a formação do país, há mais de quinhentos anos atrás.
Esse é um dos motivos pelos quais cinco das 15 cidades espanholas consideradas Patrimônio da Humanidade ficam nessa região (Salamanca, Segóvia, Ávila, Toledo e Cuenca).
Foi no século IX que a palavra Castela foi usada como referência a essa região pela primeira vez. Naquele tempo, ela referia-se a um pequeno condado, próximo à cidade de Burgos.
Aquele pequeno condado cresceu e, no final do século XV, já sob o nome Reino de Castela, ocupava 70% do atual território espanhol.
Além disso, em 1469, a rainha de Castela, Isabel, casou-se com Fernando, rei de Aragão.
Os territórios controlados por Fernando compreendiam as atuais comunidades de Aragão, Catalunha e Valência. Alguns anos depois da morte de Isabel, ele conquistaria o Reino de Navarra. Pronto. Estava formada a Espanha como conhecemos hoje.
Pode-se dizer, assim, que a formação da Espanha é, também, o fim do reino de Castela (embora no papel ele tenha existido até o começo do século XVIII).
O principal legado do reino medieval é o idioma: o castelhano, também chamado de espanhol, é a língua oficial não só da Espanha, como de dezenas de outros territórios conquistados ao longo do século XVI.
Também resistiu ao tempo o espírito castelhano: quando, em 1979, a legislação espanhola permitiu a organização das 50 províncias em Comunidades Autônomas, que seriam formadas por vontade própria e história comum, não demorou muito para que surgissem duas Castelas.
Grande parte da “Velha Castela” (o reino de Castela antes de 1080) organizou-se como Comunidade Autônoma de Castela e Leão.
E boa parte da “Nova Castela” (os territórios retomados dos muçulmanos entre 1080 e 1200) organizou-se como Comunidade Autônoma Castela-Mancha.
Ao visitar essas duas regiões e conhecer cidades medievais lindíssimas, estamos explorando o antigo Reino de Castela.
E é a história desse reino medieval, com seus personagens, castelos e cidades (que você ainda pode visitar), que vou te apresentar nesse post.
Antes do Reino de Castela
Nossa história começa no ano 711, quando guerreiros muçulmanos ocuparam praticamente toda a Península Ibérica.
Até então a região era controlada pelos visigodos, uma tribo germânica que havia adotado o cristianismo e que governava a partir da cidade de Toledo, sobre a qual já escrevi aqui.
Uma das primeiras ações dos invasores muçulmanos foi matar Dom Rodrigo, o rei visigodo (que sumiu em batalha), e ocupar sua capital, Toledo.
Os sobreviventes da dinastia governante fugiram para o extremo noroeste da península, escondendo-se nas Astúrias (região protegida pela Cordilheira Cantábrica).
Quando os muçulmanos tentaram atravessar as montanhas, pela região onde fica hoje o Parque Nacional Picos de Europa, os cristãos conseguiram vencê-los pela primeira vez, na Batalha de Covadonga (ano 722).
Só para constar, há duas versões bem distintas dessa batalha.
Para os cristãos, ela marca o início da “Reconquista”, processo de oito séculos que resultou na expulsão definitiva dos muçulmanos da península em 1492.
Para os muçulmanos, foi só uma escaramuça de pouca importância, já que, para eles, aquele pedacinho de terra do outro lado da Cordilheira Cantábrica era pouco relevante.
Pra nossa história, o que interessa é que os cristão eram liderados por Don Pelayo. Segundo algumas fontes, ele seria primo do rei visigodo desaparecido.
Astúrias: o Primeiro Reino Cristão da Reconquista
Após a vitória na Batalha de Covadonga, Don Pelayo passou a ser tratado como rei de Astúrias. Ele é hoje considerado o fundador da Espanha.
Nessa longa galeria de estátuas de reis da Espanha no palácio real de Segóvia, Don Pelayo é o primeiro.


Ele viveu em Cangas de Onis, um antigo povoado romano perto de Covadonga, até sua morte. Seus sucessores continuariam expandindo o território cristão.
No final do século VIII, durante o reinado de Afonso II (791-842), aconteceu algo que seria determinante para a Reconquista: a descoberta do corpo do apóstolo Santiago em Compostela.
Afonso II é considerado o primeiro peregrino do hoje famoso Caminho de Santiago.
Ele construiu uma capela sobre a tumba do apóstolo e, a partir daí, cristãos de toda a Europa começaram a circular pelo norte da atual Espanha.
Mais cristãos caminhando pelo norte da península Ibérica, mais forças para a Reconquista (processo de expulsão dos muçulmanos). Rei esperto!

Catedral de Santiago, construída sobre a capela construída por Afonso II
Afonso II também moveu sua corte para Oviedo, que passou a ser a capital do reino de Astúrias no ano 810.



O próximo rei importante de Astúrias é Afonso III, que governou de 866 a 910.
Ele conseguiu expandir a fronteira do reino até Zamora, na margem do Rio Douro (250 quilômetros ao sul da capital Oviedo).
Esse rio passou a ser a nova fronteira geográfica entre cristãos e muçulmanos na península, possibilitando a transferência da capital para a cidade de Leão, ao sul da cordilheira Cantábrica.
Para o leste, onde já havia outros territórios cristãos, Afonso III conseguiu expandir seu reino cerca de 200 quilômetros, fundando a cidade de Burgos (ano 884).
Para garantir a posse dos territórios conquistados, foi afotada uma estratégia de concessão de pequenas porções de terra a camponeses livres.
O Surgimento do Reino de Leão
Afonso III foi deposto por seus filhos (ano 910). Eles dividiram o reino de Astúrias em três: Astúrias (capital Oviedo), Leão (capital Leão) e Galícia (capital Santiago).
Depois de 14 anos, os três reinos foram unidos novamente, agora sob o nome de Reino de Leão.
Mas a contínua expansão territorial tornava cada vez mais difícil manter controle sobre todas as terras conquistadas. Por isso Sancho I, que governou de 955 a 958, dividiu o reino de Leão em condados.
Cada pedaço de terra seria governado por um conde, que jurava fidelidade ao rei e protegia seus territórios contra os ataques muçulmanos.
Surge o Condado de Castela
No extremo sudeste de Leão, na região conhecida como Castela (em função dos muitos castelos construídos ali para proteger a fronteira) havia três condados.
A história do Reino de Castela começa quando o rei de Leão Ramiro I concede a Fernan González o direito de governar os três, formando um único Condado de Castela, maior e mais poderoso em termos militares.
Além disso, Fernan Gonzáles recebeu o direito de governar Álava e Biscaia (hoje parte da Comunidade Autônoma País Basco). Com isso, o Condado de Castela passava a ter acesso ao Mar Cantábrico.
Fernan também expandiu Castela para o sul, movendo sua fronteira para a margem do rio Douro (90 quilômetros ao sul de Burgos).
Ao longo de sua vida Fernan obteve tanto poder que, assim como acontecia com membros da família real de Leão, ele também casou-se com uma princesa do reino cristão vizinho, Navarra. O nome dessa princesa era Sancha.
A política contínua de casamantos entre membros das famílias reais de Leão e Navarra fez com que um tataraneto de Fernan Gonzales virasse rei de Leão. Isso fez com que ele virasse rei também em Castela (Fernando I, 1039-1065).
Castela, assim, transformava-se de condado em reino.
A Confusa Co-Existência dos Reinos de Leão e Castela (1039-1230)
Durante os dois séculos seguintes, os reinos de Leão e Castela uniram-se e separaram-se várias vezes. O período é bem confuso, então não vou entrar em detalhes. Mas você pode entender melhor essa fase aqui.
O que importa para a nossa história é que, durante esse período, os dois reinos expandiram bastante suas fronteiras.
A expansão do reino de Leão
O reino de Leão conseguiu ocupar Ávila (1085), onde, muito antes da chegada dos muçulmanos, já havia um assentamento pré-romano.
No século XII foi contruída a muralha ao redor da cidade. Com 82 torres e 9 portões de entrada, ela é considerada a muralha medieval mais bem preservada da Europa.
A cidade medieval (dentro dos muros), com sua catedral e o Convento de Santa Teresa de Ávila, e quatro igrejas extra-muros formam um conjunto declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.
Ainda nessa fase, Leão também conseguiu repovoar Salamanca, a cem quilômetros de Ávila.
Salamanca é ainda mais antiga do que Ávila: quando os cartagineses chegaram lá no século III A.C., já existia um povoado na região.
Mas a cidade ficou abandonada entre os séculos VIII e XI, porque estava no centro das batalhas entre cristãos e muçulmanos.
Uma das primeiras iniciativas do reino de Leão ao ocupar Salamanca, hoje também considerada Patrimônio da Humanidade, foi a fundação de uma universidade.
Fundada em 1218, ela é a universidade mais antiga da Espanha. E, também, uma das universidades espanholas de maior prestígio até hoje.
A Expansão do Reino de Castela (Castilla La Nueva)
Nesse mesmo período, Castela conseguiu ocupar Toledo, aquela cidade que era a capital dos cristãos quando os muçulmanos chegaram.
Além do valor simbólico dessa conquista, ao incorporar a Taifa de Toledo (taifa significa reino muçulmano da Península Ibérica) Castela mudava sua fronteira do rio Douro para o rio Tejo. Isso significava uma grande expansão territorial.
Para garantir a manutenção dessa vasta região, o rei Afonso VI adotou uma política de repovoamento diferenciada.
O governo outorgava a um determinado grupo certa área para a criação de um município, delegando também a responsibilidade de que fosse criado um concelho de cidadãos, que cuidaria da adminstração local.
A antiga Taifa de Toledo seria mais adiante conhecida como a Nova Castela (Castilla La Nueva).

O Reino de Castela a Partir de 1230
O ano de 1212 é um marco na história da Espanha.
Nesse ano, um exército formado pelos quatro reinos cristãos da península (Castela-Leão, Aragão, Navarra e Portugal) derrotou os muçulmanos na Batalha de Navas de Tolosa, que aconteceu 200 quilômetros ao sul da cidade de Toledo.
Nas décadas seguintes, auxiliados por uma mudança na estrutura de poder no mundo muçulmano, os cristão conseguiram reconquistar praticamente toda a península.
Logo, o único território que permanecia governado por muçulmanos era o Reino de Granada, sobre o qual já escrevi aqui.

Há duas outras duas informações interessantes sobre esse período.
A primeira é o desaparecimento definitivo do reino de Leão. É que, em 1230, o rei de Leão, Afonso IX, faleceu. Quem herdou seu reino foi seu filho, Fernando III, que já era rei de Castela.
Foi assim que Castela, que a essas alturas já era bem mais forte, incorporou o reino de Leão.
Fernando III é considerado um dos reis mais importantes da Idade Média europeia.
Não apenas porque Castela obteve grande expansão territorial ao longo de seu reinado (1217-1252), como também porque ele era considerado extremamente culto.
Foi em seu reinado que começou a construção de duas das catedrais mais bonitas da Espanha: a de Toledo e a de Burgos (ambas Patrimônio da Humanidade).
Seu filho, Afonso X (1252-1284), que continuou a Reconquista ocupando boa parte da Andaluzia, também era extremamente culto.
Foi durante seu governo que a Escola de Tradutores, em Toledo, atingiu seu ápice.
Além da continuação da tradução dos clássicos gregos, romanos, persas e árabes para o castelhano, muitos novos livros foram escritos.
A propósito, foi o castelhano falado na sua corte que evoluiu para o espanhol dos dias de hoje.
Entre os muitos tratados jurídicos, históricos e científicos escritos pelo rei, o mais importante é um código de leis entitulado Las Siete Partidas.
Também é creditado a ele o início da coleção de estátuas de reis espanhois do Alcázar de Segóvia.
Seu reinado também ficou conhecido pela tolerância religiosa: a Castela do seu tempo ficou conhecida como “reino das três culturas” (cristã, judaica e muçulmana).
Esses são alguns dos motivos pelos quais ele entrou na história como Afonso, o Sábio.
A outra informação importante desse período é o surgimento de um mito: El Cid, também conhecido como Cid Campeador ou Mio Cid.
Seu nome era Rodrigo Diaz de Vivar e ele viveu de 1043 a 1099.
Com 22 anos, tornou-se o comandante das tropas reais. Mas, na confusão que eram as disputas de poder entre os próprios reinos cristãos naquela época, aos 38 ele estava a serviço dos muçulmanos que controlavam Zaragoza.
Um pouco mais tarde, com 51 anos e mais uma vez aliado ao rei de Castela, ele conquistou Valência. A cidade foi cristã e governada por El Cid até sua morte, cinco anos depois.
Ele tornou-se o maior herói espanhol da Idade Média graças a um poema criado em torno do ano 1200 e considerado a primeira grande obra literária em idioma castelhano.
A história é absolutamente fantasiosa e desconsidera os vínculos de El Cid com os reis muçulmanos. Muito pelo contrário: o poema cria um ideal de cavalheiro castelhano, cristão, justo, leal, forte, valente e culto.
O surgimento desse mito faz muito sentido em um momento histórico em que a monarquia cristã precisava de uma população motivada a continuar na luta de expusão dos muçulmanos.
O poema chegou até nós porque, em 1245, um abade chamado Pedro escreveu a história (acredita-se que fazendo cópia de um outro manuscrito).
Eram 74 folhas, sem título, contando “a vida” de El Cid. O poema ficou conhecido como “Cantar de Mio Cid“.
Existe apenas uma cópia do manuscrito, em castelhano medieval. Ela está na Biblioteca Nacional de Madri.
O mito foi ampliado pela criação de uma peça de teatro na França em 1637 e pelo filme de 1961 estrelado por Charlton Heston e Sophia Loren.
Hoje sabe-se que a vida de Rodrigo Díaz de Vivar foi muito diferente do herói criado pelo poema.
Ainda assim, Cantar de Mio Cid é uma obra importante. Mas por uma questão literária, como explica esse artigo sobre o lançamento de uma coleção de moedas em homenagem a El Cid.
Século XIV: Consolidação
No século seguinte, o reino de Castela precisava garantir a manutenção dos territórios conquistados. Para isso, houve uma intensa política de repovoamento.
A área entre os rios Tejo e Guadiana foi repovoada com uma política de encomiendas: porções de terra eram cedidas para ordens militares importantes, como a Ordem de Santiago e a Ordem de Calatrava.
Já ao sul do Guadiana foi adotada uma política de repartimientos. Ela consistia na entrega de grandes porções de terra a nobres que ficariam responsáveis por torná-las produtivas.
Se, por um lado, isso garantiu a manutenção do território, por outro, levou ao enfraquecimento da monarquia.
Século XV: a Fase Final da Reconquista
O preço de ceder terras para formação de cidades, ocupação por ordens militares e exploração por membros da nobreza foi a cessão de poder a esses grupos, especialmente durante os reinados de João II e Henrique IV (1406-1474).
A irmã de Henrique IV, antes ainda antes de tornar-se rainha, já desejava restabelecer o poder da monarquia de Castela. Seu nome é Isabel e sua história é, no mínimo, intensa!
Pra começar, ao invés de aceitar como marido os favoritos de seu irmão, ela escolheu casar-se com Fernando, rei de Aragão.
Aragão era o outro grande reino da Península Ibérica: ocupando as atuais comunidades de Aragão, Catalunha e Valência, ele controlava o comércio no Mediterrâneo via dois grandes portos (Barcelona e Valência).
Fernando e Isabel não estavam destinados a casar-se: o rei de Castela, irmão de Isabel, preferia outros pretendentes; e, como Isabel e Fernando eram primos de segundo grau, para o casamento ser considerado legítimo, eles precisavam de uma autorização do papa.
Sem autorização do rei nem do papa, eles casaram-se mesmo assim. Foi em Valladolid, uma das cidades mais tradicionais da monarquia de Castela. O ano era 1469.
Quando Henrique IV, rei de Castela e irmão de Isabel morreu (cinco anos depois), ela não era a herdeira oficial. Ela havia sido deserdada por ter casado sem autorização.
Mas, no dia seguinte à morte do irmão, Isabel, que estava em Segóvia, fez-se proclamar rainha por seus aliados.

Pintura-mural de Carlos Muñoz de Pablos (Alcázar de Segóvia)
Depois de uma guerra civil de vários anos, Isabel conseguiu anular sua rival, a filha (não se sabe se biológica ou não) de Henrique IV. Pouco depois, Fernando herdaria a Coroa de Aragão (1479).
Juntos e já reconhecidos como reis de Castela e Aragão, Isabel e Fernando completariam a Reconquista, ocupando o reino de Granada.
Em seguida, eles financiaram a viagem de um navegador genovês, Cristóvão Colombo, que achava que poderia chegar às Índias navegando para o oeste. Ao invés disso, ele descobriu a América (1492).
Foi o primeiro passo para a criação de um império ultramar, que faria da Espanha o país mais poderoso do mundo nos dois séculos seguintes.
Isabel e Fernando, que entraram na história como “os Reis Católicos” (título concedido pelo papa), também são lembrados por fatos menos nobres: contrariando a longa tradição das três culturas, eles expulsaram judeus e muçulmanos da Espanha.
Para isso eles contaram com a Inquisição, uma instituição religiosa que já existia desde o século XIII, e que foi transformada em instrumento do Estado durante o governo de Isabel e Fernando.
No princípio, a Inquisição Espanhola perseguiu os “convertidos”: judeus que haviam se convertido ao cristianismo nos séculos anteriores, mas que eram acusados (justa ou injustamente) de manterem rituais da religião judaica.
Depois, em 1492, Isabel e Fernando publicaram um decreto expulsando os judeus do país (eles tinham seis meses para sair ou converter-se ao cristianismo). E, em 1502, foram os muçulmanos que foram forçados a abandonar a Espanha.
A Inquisição fortaleceu-se no século seguinte e é uma das maiores manchas na história espanhola.
Castela como parte da Espanha
A partir do reinado de Isabel e Fernando já podemos falar da Espanha como uma unidade.
Embora os reinos de Castela e Aragão mantivessem autonomia e suas próprias leis, daí para a frente foram sempre governados pelo mesmo rei.
Castela foi predominante nessa união. Foi a região que mais se beneficiou (e que mais custos teve) com a expansão ultramar.
Com o passar do tempo, porém, o território foi se fragmentando administrativamente. Isso contribuiu para os conflitos e enfraquecimento da monarquia no século XVII.
O século XVIII começa com a Guerra de Sucessão Espanhola. Ela foi vencida pelo lado francês da família, que instituiu um governo centralizado e uma nova organização territorial.
O reino de Castela do tempo de Isabel e Fernando agora estava dividido em muitas pequenas partes. A parte mais fragmentada era aquela conhecida como Castilla La Vieja.
Novas divisões seriam feitas com a ocupação napoleônica e com a restauração.
Foi apenas em 1812, quando começa a ser discutida a constituição de Cadiz, que Castilla La Vieja e Castilla La Nueva voltam a ser mencionadas como possíveis regiões administrativas espanholas.
Depois de décadas de discussão, em 1833 é finalmente estabelecida a nova divisão do território em 49 províncias. Nenhuma se chama Castela.
Ao longo do século XX essa organização do território espanhol em províncias foi questionada. Mais uma vez voltou-se a falar em uma divisão administrativa do país baseada em questões geográficas e históricas.
Finalmente, em 1931, uma nova constituição mantinha as províncias, mas possibilitava a formação de regiões autônomas.
Um plano inicial propunha 14 regiões, sugerindo, entre elas, uma chamada Castilla La Vieja e outra chamada Castilla La Nueva.
O projeto não foi adiante: logo começaria a guerra civil espanhola (1936-1939). Nas décadas seguintes, manteve-se o modelo administrativo de províncias.
Foi a constituição de 1978 que deu origem à divisão que conhecemos hoje, conhecida como “Estado das Autonomias”.
As Castelas dos dias de hoje
A constituição garantia o direito de autonomia “das regiões e nacionalidades”, permitindo que províncias com história e cultura comum formassem comunidade autônomas; e, ao mesmo tempo, declarava o compromisso de união da nação espanhola.
A palavra “Castela” faz parte de duas Comunidades Autônomas que, juntas, representam quase 40% do território espanhol.
Comunidade Autônoma de Castela e Leão
A parte mais antiga de Castela, Castilla la Vieja, virou, praticamente, a Comunidade Autônoma de Castela e Leão.
São nove províncias, formando a maior Comunidade Autônoma da Espanha. Juntas, elas ocupam cerca de 20% do território nacional.
Castela e Leão inlui a cidade onde o reino de Castela começou, Burgos.
É em sua catedral, que começou a ser construída no século XIII e é hoje considerada Patrimônio da Humanidade, que está enterrado El Cid, o herói castelhano.
A capital de Castela e Leão é a cidade de Salamanca, onde fica a universidade mais antiga do país.
As províncias de Valladolid, Ávila e Segóvia estão intimamente ligadas à vida de Isabel, a rainha católica.
Sua infância foi na província de Ávila. Ela nasceu em Madrigal de Altas Torres, num palácio que é hoje o Mosteiro de Nossa Senhora de Graças das Altas Torres.
Com dois anos ela foi levanda para Arévalo, onde passaria tempo com seus filhos décadas mais tarde.
Sessenta quilômetros a sudeste de Ávila ficam os Toros de Guisando, misteriosas esculturas de mais de dois mil anos. Ali foi assinado o Tratado dos Toros de Guisando (1468), em que seu irmão, Henrique IV, reconhecia o direito de Isabel ao trono de Castela.
Henrique anularia o tratado no ano seguinte, quando Isabel casou com Fernando sem sua permissão. O casamento foi a cerca de 200 quilômetros dali, em Valladolid.
O evento aconteceu no palácio da família Vivero, que é hoje utilizado como Arquivo Histórico da província.
Foi também em Valladolid, na localidade chamada Medina del Campo (50 km da capital), que Isabel escreveu seu testamento.
O momento foi recriado pelo pintor Eduardo Gallinas no século XIX, em um quadro exposto no Museo del Prado (Madri).
O palácio onde o testamento foi escrito e onde Isabel morreu algumas semanas depois ficou conhecido como Palácio Real Testamentário.
O prédio foi reconstruído como uma réplica do original e é hoje um museu que conta a história da vida e do reinado de Isabel.
Outro lugar importante na vida de Isabel foi Segóvia. Lá ela foi proclamada rainha por seus aliados logo após a morte de seu irmão (1474).
O Alcázar (palácio) de Segóvia já pertencia à família real a algumas gerações, e Isabel havia vivido lá, na corte de seu irmão, durante sua adolescência.

Algumas províncias da Velha Castela não quiseram entrar na Comunidade Castela e Leão.
Ficaram de fora a Galícia (onde fica Santiago de Compostela), Astúrias (que continua tendo Oviedo como capital) e Cantábria (formada por apenas uma província, a de Santander).
Falaremos delas nos próximos posts.
Comunidade Autônoma Castela-Mancha
“A Mancha” é um termo que surgiu do árabe Al-Manshah, que significa terra árida.
Era assim que os conquistadores muçulmanos chamavam o planalto calcário ao sul da atual Madri que compunha grande parte da Taifa de Toledo.
A maioria de nós já ouviu falar na região em função de seu personagem mais famoso: Dom Quixote de La Mancha.
Na verdade seu criador, Miguel de Cervantes, estava sendo irônico.
A palavra mancha em espanhol, assim como em português, significa sujo, marcado.
O romance de Cervantes, que começou a ser publicado em 1605, era uma paródia dos cavalheiros medievais românticos. Nenhum local era mais improvável para o nascimento de um cavalheiro romântico do que uma região chamada Mancha.
A ironia passa despercebida nos dias de hoje. E tudo bem. Dom Quixote deixou A Mancha famosa.
E, não só mas também por isso, o maravilhoso queijo manchego, produzido entre moinhos de vento do século XVI, pode ser encontrado em várias partes do mundo.
No final do século XX, as cinco províncias localizadas na Mancha reuniram-se formando a Comunidade Castela-Mancha. São elas Toledo, Cuenca, Cidade Real, Guadalajara e Albacete.
A capital da Comunidade é a cidade de Toledo, que por muitos séculos foi capital dos reinos visigodo, árabe e castelhano. Já escrevi sobre ela aqui.
Castela-Mancha tem outra cidade considerada Patrimônio da Humanidade, Cuenca.
Com pouco mais de 50 mil habitantes, ela fica no alto de um penhasco e é famosa por suas casas colgadas (em português: penduradas).
Ela foi fundada pelos muçulmanos no século VIII e conquistada pelos cristão no final do século XII.
Suas muralhas confundem-se com a paisagem natural de penhascos ao seu redor, o que lhe dá um aspecto bastante único.
Além dessa cidades reconhecidas pela UNESCO, Castela-Mancha tem um patrimônio histórico-cultural riquíssimo, incluindo muita arte rupestre, muitos castelos e vários outros prédios medievais.
Saiba mais sobre turismo nessa Comunidade aqui.
Da antiga Castilla la Nueva, ficou de fora da Comunidade Castela-Mancha apenas a província de Madrid, que formou uma Comunidade Autônoma uniprovincial.
Pra terminar
Explorar o antigo reino de Castela exige mais do que uma viagem. O território é amplo e há muito para ver. Um excelente ponto de partida é Madri.
Quem tem um dia sobrando na cidade pode pegar o trem rápido (AVE, linhas em rosa abaixo) e ir facilmente a Toledo, Segóvia ou Cuenca (todas a menos de uma hora de trem).

Com mais tempo, também é fácil chegar a Valladolid, Burgos e Leon (um pouco mais longe, ainda em trem rápido) ou Ávila, Salamanca e Oviedo (pegando um trem normal, que são as linhas em cinza).
Viajar de carro por essa região também é uma ótima pedida.
As estradas são boas e estar de carro possibilita visitar lugares mais escondidinhos, como alguns dos pueblos dessa lista que mostra cem dos mais bonitos da Espanha.
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