Daquelas coisas inesperadas que acontecem na vida da gente: mal eu tinha entrado no Louvre e conheci uma Doutora em História da Arte, russa, a Anna. E passei o dia com ela, vendo quadros que eu JAMAIS olharia…. experiência fantástica. Segue o que vi e aprendi:

– 1350. Jean II le Bon, roi de France. Essa obra marca o início da pintura francesa, sendo a mais antiga existente nos dias de hoje. Falando sobre essa época, a Anna me contou que uma das características da pintura medieval é a presença de livros – naquela época, saber ler era raro e alguém lendo significa que essa pessoa era muito especial.

– nos séc XIV e XV, o que mais se pintava era retratos de reis. E o modo de produção era… em série! Primeiro o artista desenhava os contornos do corpo e do rosto e depois fazia os traços.

– Depois ela me mostrou La Vierge du chancelier Rolin (~ 1435), do belga Jan van Eyck. Ele foi o primeiro a pintar com óleo sobre tela (oil on canvas). Isso muda tudo na história da pintura, pois possibilita alterar a luminosidade da cor, aumentando ou diminuindo a viscosidade do óleo.

– Em torno de 1435, o alemão Hans Memling pintou Triptyque de la Resurrection. A Anna me chamou a atenção para esse quadro, porque, para ela, é a primeira pintura “surrealista” do mundo: o painel da direita, tem apenas as pernas do homem que sobe aos céus.



– Em 1493, Dürer, alemão, pintou Autoportrait ou Portrait de l’artiste tenant un chardon. Esse quadro é importante porque é um dos primeiros auto-retratos da pintura ocidental. Era comum, na Idade Média, os artistas incluirem-se nas obras, mas apenas como um elemento secundário. Essa mudança indica a busca dos artistas por um novo status social e, por isso, de certa forma, indica o início da Renascença. A Anna ainda me chamou a atenção para as mãos: Dürer fez muitos estudos preparatórios para mãos, sendo “Mãos que oram” (Betenden Hände) o mais famoso.

– Um dos eventos mais marcantes da pintura no fim do século XV é o surgimento das paisagens. Joachim Patenier pinta, entre 1515 e 1520, Saint Jérôme dans le Désert, que é um marco do surgimento desse estilo: planícies, rochas e rio, numa ampla variedade de tons de azul e verde. Além disso, frequentemente, nos séculos seguintes, repete-se o esquema primeiro plano sombreado, segundo plano com os tons de verde e um fundo azul. Essa obra destaca-se pelos detalhes (ampliados no link acima).

– O nu, deixado de lado desde a queda do império romano e o crescimento do cristianismo, ressurge na Renascença italiana e esparrama-se pelo norte, com destaque para os artistas alemães. A diferença é que agora o nu é utilizado para pintar pessoas normais, como a aristocrata pintada por Lucas CRANACH dit l’Ancien em 1509. Vénus debout dans un paysage tem uma beleza singela, porque, apesar de nua, a moça parece ser muito pura.

Le Prêteur et sa femme (1530) é lindo e eu jamais teria percebido se não fosse a Anna. No quadro de Quentin Metsys, um casal triste junta todos os seus trocos para pagar uma dívida. Mas o dinheiro não chega e a Bíblia não consegue protegê-los do “homem mau” que se aproxima para fazer a cobrança – e que só é visto no reflexo do espelho que está em cima da mesa. Lindo!

– Depois ela me apresentou Frans Hals, holandês, que pintava com pinceladas grossas, antecipando o padrão do século XIX. La Bohémienne e LeBouffon au Luth foram pintados na década de 1620.

– Nessa época, em que a Holanda era um poder econômico e marítimo, a família burguesa era elemento constante na pintura da região. Em Portrait de Famille, de 1654, Adriaen van Ostade deixa essa riqueza fica por meio do vestuário da família, de muitos quadros nas paredes e de porcelanas chinesas sobre a porta. 

– Considerado por Renoir um dos quadros mais belos do mundo, La Dentellière é considerado a obra prima do holandês Johannes (Jan) Vermeer. Pintado em 1669, ele mostra uma moça costurando. Destacam-se a concentração da modelo e o jogo de cores que se destaca contra um fundo cinza. Entende-se que se trata de uma orientação religiosa, pois valorizaria as “virtudes femininas” e a Bíblia (que seria o livro que aparece na imagem).

– O passeio não podia acabar sem chegarmos na Grande Galeria, ondem ficam os renascentista italianos. Começamos por La Gioconda (Monalisa), que a Anna considera perfeita não pelo quadro em si, mas pelo gênio que Leonardo da Vinci era. Na visão dela, há muito de melhor na obra dele, mas precisamos reconhecer o impacto da Monalisa na história da arte.

Uma observação pessoal sobre isso: a Monalisa começou a ser pintada em 1503, mas dizem que continuou sendo pintada até 1517, quando, a convite do rei Francis I, da Vinci foi morar nas proximidades do palácio de Amboise, na França.

Depois de sua morte, o rei comprou o quadro do herdeiro. De lá o quadro foi para o Chateau de Fontaineblau e, posteriormente, para o Louvre. Pois bem, quando estive em Amboise, visitei o Clos Lucé, onde Leonardo teria terminado a obra. Existe uma cópia da Monalisa lá – e essa Monalisa, falsa, mas no lugar onde a verdadeira foi pintada 500 anos antes, me emocionou muito mais do que a original. Recomendo!

– E então a Anna saiu correndo da sala, me puxando. Eu estranhei, pois há várias outras obras no mesmo ambiente. Eu perguntei: “Nada importante aqui?” e ela respondeu: “Hum… sim, Veronese… pinturas grandes, muitos detalhes, dá pra ver que era um bom pintor… ok…”. 🙂  Justiça seja feita!!! O quadro gigante do Veronese que está na mesma sala da Monalisa é lindo. Embora minha guia achasse perda de tempo parar ali – o Louvre fecharia em seguinda e ainda não havíamos chegado à Grand Galerie – vale a pena. Pintado em 1563, Les Noces de Cana, que pude observar melhor alguns anos depois, é bem bonito.

– Finalmente chegamos à Grand Galerie, onde ela selecionou, além de Raphael e Leonardo (Da Vinci, para os íntimos), Mantegna e Caravaggio. Do Mantegna, ela me mostrou primeiro La Crucifixion (1456), que é considerado “a encarnação do ideal da renascença”, por, entre outros motivos, fazer um uso fantástico de perspectiva. Ao centralizar a pintura no plátano atrás da cruz, o pintor nos faz olhar a pintura “de baixo pra cima”, com o que ele consegue dramatizar a cena, aumentá-la e fazer com que o espectador entre no espaço da obra. Super!!!

– Caravagio é o outro gênio do século XVII. A Anna me mostrou La Morte de la Vierge para me mostrar como ele fez uso do chiaroscuro para destacar o que queria nas suas obras.

– Dos espanhóis, a Anna me mostrou Goya, que ela ama, e El Greco. Sobre o Goya, comentou que ele não prestava atenção nos detalhes (como mãos, por exemplo), mas era especialista no uso da luz. A imagem abaixo é de Man Carrying a Huge Load, do início do século XIX, e um bom exemplo disso.


– Já El Greco, que foi considerado estranho pelos seus contemporâneos – viveu de 1541 a 1614, passou a ser muito apreciado no século XX, sendo considerado o precursor do expressionismo e do cubismo. No Louvre está Cristo na Cruz Adorado por Dois Doadores.

Porque o Louvre estava fechando, assim acabou meu tour pela história da arte ocidental. Uma experiência fantástica, uma daquelas perólas que a gente guarda pro resto da vida…  🙂