Responda rápido: o que a Rússia, a Polônia e a Croácia tem em comum?
A resposta é que, embora geograficamente distantes, o idioma e a população de todos esses países tem origem eslava.
Mas o que isso significa? Quem são os eslavos, como eles ocuparam essa região tão extensa e o que há de comum entre eles ainda hoje?
É sobre isso que vamos falar nesse post.
Os primeiros eslavos
As primeiras menções escritas aos eslavos são do tempo do Império Romano.
Os romanos consideravam os eslavos um povo “bárbaro”, assim como os celtas, os germânicos e os hunos.
Mas os eslavos deram menos trabalho aos romanos e, por isso, foram pouco documentados. Isso torna mais difícil saber sua origem.
A teoria mais aceita é que eles eram pessoas que habitavam a região que hoje é Polônia já no ano 1500 A.C.
O que unia esses povos eram hábitos e tradições compartilhados, incluindo o idioma.
Os eslavos multiplicaram-se e migraram para várias outras regiões. Com o passar do tempo, os diferentes grupos foram criando identidades próprias.
O idioma também foi diferenciando-se, dando origem a várias línguas que, de forma geral, chamamos de idiomas eslavos.
Entre eles estão o ucraniano, o tcheco e o esloveno, que, embora tenham a mesma origem, não são mutuamente compreensíveis.
Vamos entender agora um pouco mais sobre cada um dos três grupos de países eslavos que existem hoje.
Eslavos do Sul
Os povos eslavos que migraram em direção ao Império Romano estabeleceram seu primeiro assentamento permanente na Grécia, no século VI.
Eles conseguiram ficar lá até o século IX, quando foram expulsos pelos bizantinos.
Ao longo desses 300 anos, outros assentamentos eslavos foram surgindo ao longo dos Balcãs, estendendo-se dos Alpes ao Mar Negro.
A história desse grupo de eslavos passou a estar diretamente associada ao desenvolvimento dos Balcãs.
Esse território esteve submetido a diversos impérios ao longo do tempo, entre os quais destacam-se o Sacro Império Romano-Germânico, o Império Otomomano e o Império Austríaco.
Isso contribuiu para a formação de diferentes identidades nacionais, resultando na formação da Eslovênia, da Croácia, da Sérvia, da Bósnia, da Macedônia e de Montenegro.
Para entender melhor a história desses povos, leia meu post Viagem pelos Balcãs: Entenda a História da Península Balcânica.
Eslavos do Leste
Outras tribos eslavas movimentaram-se para o oeste, ocupando o que é hoje o oeste e o norte da Ucrânia e o sul da Bielorrússia.
Alguns deles estabeleceram-se na margem do rio Dnieper, fundando Kiev (hoje capital da Ucrânia).
Esse rio já era uma rota comercial desde o século IV, ligando os vikings do mar báltico aos cristãos do império romano-bizantino.
Há diferentes versões sobre a história da formação do primeiro Estado ao redor de Kiev.
Mas sabe-se que a população dessa área era conhecida como Rus (nome em geral dado a grupos vikings) e tinha cultura eslava.
A partir do século IX, toda a área ao redor de Kiev passou a ser conhecida como “a terra dos Rus de Kiev” (Kievan Rus).
Kievan Rus era uma federação eslava controlada pela dinastia Rurik.
A federação continuou expandindo-se até 1054, ocupando o que é hoje a Ucrânia, a Bielorrússia e o oeste da Rússia.
Mas, com a morte de Yaroslav I e a disputa entre seus filhos pelo controle da federação, vários principados começam a tornar-se independentes.
O fim de Kievan Rus foi acelerado pela chegada dos mongóis, em 1242.
Uma das regiões não ocupadas pelos mongóis foi Moscou (hoje capital da Rússia).
De um pequeno entreposto comercial de pouca importância, Moscou tornou-se uma cidade importante, que conseguiu reunir e liderar vários principados da região.
Foi no século XV que um de seus governantes, Ivan III (1462-1505), adotou o título de Tsar (eu contei essa história no post sobre o Império Bizantino).
E, também, passou a chamar a si mesmo de “Rei de Todos os Russos”.
Era o começo da Rússia como conhecemos hoje.
Eslavos do Oeste
Algumas tribos eslavas permaneceram na Polônia e, de lá, movimentaram-se levemente para o sul, estabelecendo comunidades onde hoje ficam Polônia, República Tcheca e Eslováquia.
República Tcheca e Eslováquia
Um dos primeiros reinos eslavos foi o da Morávia, onde hoje é a Eslováquia.
Ele surgiu no ano 830, e foi a pedido desse reino que o Império Bizantino mandou missionários da Igreja Ortodoxa para essa região (a gente vai falar disso mais adiante, quando falar do alfabeto cirílico).
No auge de sua expansão, a Grande Morávia ocupou parte do que hoje é a República Tcheca e a Polônia. Mas ela desintegrou-se e foi destruída por um ataque dos magiares (húngaros) em 906.
Seus territórios seriam mais tarde incorporados, em grande parte, pela Boêmia (hoje República Tcheca).
No século XIX todo esse território formou um único país, a Tchecoslováquia (1918-1992).
Com a dissolução da União Soviética, a Tchecoslováquia transformou-se em dois países: República Tcheca e Eslováquia.
Eu ainda não visitei a Eslováquia, cuja capital é Bratislava.
Mas já estive na República Tcheca e escrevi vários posts sobre o país e sua capital, Praga. Você pode encontrar todos eles aqui.
Polônia
Os eslavos que ficaram na região onde hoje é a Polônia começaram a ser chamado de poloneses há muito tempo. Há referências a eles em documentos escritos no século X.
As duas principais tribos eslavas dessa região naquela época eram chamadas de Polanie e de Wislanie.
Por um tempo elas conseguiram controlar as outras tribos eslavas desse vasto território.
Mas a Polônia como conhecemos hoje só surgiu no ano 966, com a cristianização do país e o estabelecimento do bispado de Poznan.
Apenas duzentos anos depois, esse primeiro reino seria dividido em vários principados (1138-1320).
A Polônia voltaria a ser um único reino só no século XIV. E aí começa seu período de expansão, em que as fronteras do reino vão além dos territorios ocupados pelos eslavos, dando um caráter multi-étnico ao país.
Um marco dessa expansão é o casamento da princesa polonesa Jadwiga com o grã-duque da Lituânia (1374).
A Lituânia era naquele tempo um reino enorme, que incluia o que é hoje Ucrânia, Bielorrúsia e parte da Rússia.
Com o passar do tempo, a Lituânia ficaria cada vez mais subordinada à Polônia, especialmente a partir da formação da Confederação Polonesa-Lituana (1569).
A Confederação Polonesa-Lituana duraria até o final do século XVIII, quando a Polônia desapareceu do mapa (literalmente).
Como isso aconteceu? É que os anos entre 1600 e 1800 são o período da expansão de seus vizinhos.
E isso resultaria na formação de três grandes impérios: o russo, o austríaco e o alemão (na época chamado de Prússia).
No final do século XVIII, esses três impérios decidiram dividir a Polônia entre eles.
Essas partições aconteceram entre 1772 e 1798. Ao final desse período, a Polônia tinha deixado de existir.
Seu antigo território estava agora dividido entre Rússia (62%), Alemanha/Prússia (20%) e Áustria (18%).
Durante os 123 anos em que a Polônia não existiu, nasceu e cresceu o nacionalismo polonês.
O país só voltaria a existir em 1918, com os acordo do pós I Guerra Mundial.
Para entender melhor todas essas mudanças territoriais, vale a pena ver esse vídeo de 2 minutos.
O caráter multi-étnico da Polônia durou até o final da II Guerra Mundial. Além de eslavos, viviam lá alemães, ucranianos, russos, judeus e várias minorias.
Depois da II Guerra porém, em função das muitas mortes, emigrações e alteração de fronteiras, a Polônia passou a ser um dos países mais homogêneos do mundo: 94% de seus habitantes são poloneses e a maioria da população fala polonês.
Cirílico, o alfabeto eslavo
Atualmente utilizado em mais de 50 idiomas, o alfabeto cirílico foi desenvolvido no século IX, nos países eslavos do oeste (na época, Grande Morávia).
O cirílico é o resultado indireto do trabalho de dois missionários da Igreja Cristã Ortodoxa (a Igreja de Constantinopla), Miguel (São Metódio) e Constantino (São Cirilo), que ficaram conhecidos como “os apóstolos eslavos”.
Tudo começou em 862, quando um príncipe da Grande Morávia pediu ao imperador bizantino que enviasse missionários para converter a população de seu reino ao cristianismo ortodoxo.
Miguel e Constantino começaram a pregar no idioma eslavo que a população falava (chamado de “Búlgaro Antigo”) e, também, decidiram traduzir a Bíblia para esse idioma.
Para isso precisaram criar novas letras, já que o alfabeto grego não cobria todos os sons do idioma eslavo.
As novas letras eram modificações ou combinações das letras gregas e, em alguns casos, baseadas no idioma hebraico.
Esse primeiro alfabeto, chamado de glagolítico, deixou de ser usado na Grande Morávia depois que Miguel e Constantino morreram.
Mas continuou evoluindo na Bulgária, onde transformou-se no alfabeto hoje conhecido como cirílico.
Com o passar do tempo, essa alfabeto passou a ser usado por outros grupos de idiomas além dos eslavos.
Na wikipedia tem um artigo bem extenso sobre os países que usam exclusiva ou parcialmente esse alfabeto.
Para entender as variações do cirílico nos idiomas eslavos, sugiro leitura desse artigo postado no Medium .
Bem no final tem uma tabela comparando os alfabetos russo, bielorrusso, ucraniano, búlgaro, sérvio e macedônio.
Mas nem todos os idiomas eslavos usam o alfabeto cirílico. Alguns usam o mesmo alfabeto que nós, o romano, com algumas variações.
Esse artigo mostra todos os idiomas eslavos, tanto os que usam o alfabeto cirílico quanto o romano, e dá dicas de como identificar rapidamente cada um deles.
Mitologia e Cultura Eslava
Antes de sua cristianização, os eslavos acreditavam em vários deuses, que variavam de região para a região. Esse artigo da Enciclopedia Britannica dá um bom panorama.
O que todos os povos eslavos aparentemente tinham em comum era a crença em espíritos, entre os quais destacavam-se o espírito da floresta (leshy), o espírito das árvores, que entrava nas casas por meio da madeira (domovoy), e o espírito das águas (vodyanoy).
Outro elemento comum entre os povos eslavos é que, para eles, o corpo celeste mais importante é a lua.
Vários rituais em sua homenagem e lendas a seu respeito ainda são praticados e contados atualmente.
Para saber mais sobre os eslavos e suas tradições, confira o blog Meet the Slavs. Nele há um pouco de tudo, incluindo vários artigos sobre culinária e mitologia dos diferentes países eslavos.
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