Se o nome Fez te soa familiar, talvez seja uma lembrança da novela O Clone (2001).

Essa cidade de mais de mil anos, que já foi capital do Marrocos, é a terceira maior do país e é considerada o melhor exemplo de cidade tradicional marroquina.

Por isso, Fez é considerada Patrimônio da Humanidade e, normalmente, está no roteiro de quem visita o país.

Quem está por Fez, tem a possibilidade de conhecer outros dois tesouros que não estão em todos os roteiros: Meknes e Chefchaouen.

Meknes, conhecida como “a Versailles do Marrocos”, foi construída por um contemporâneo do rei francês Luis XIV, o Rei-Sol.

A propósito, eles quase tornaram-se compadres, quando o rei marroquino pediu a filha do rei francês em casamento.

O casamento não saiu. Mas presentes do rei francês fazem parte da decoração da mesquita de Meknes.

Já Chefchaouen – conhecida no Instagram como “a cidade azul” – é um vilarejo que ficou escondido no meio das montanhas por séculos.

Quando a cidade foi descoberta pelos europeus, eles já encontraram muitas casas pintadas de azul (em seguida eu te explico por quê).

E a tendência aumentou com a evolução das redes sociais.

É possível visitar Fez, Meknes e Chefchaouen em três dias.

E, nesse post, eu te conto (e te mostro) um pouco do que eu vi e fiz em cada uma delas.

Fez, a primeira capital do Marrocos

A cidade antiga (medina) de Fez é familiar para os brasileiro porque várias cenas da novela O Clone (2001) foram filmadas lá.

Além disso, para a continuação das filmagens, foi construída uma cidade cenográfica no Rio de Janeiro, representando a cidade marroquina.

Como falei antes, Fez é considerada o melhor exemplo de cidade tradicional marroquina.

Ela foi fundada no século VIII e cercada por muros. Essa região é conhecida como Fez el Bali.

No século XII, a cidade foi ampliada. Essa área “nova” é chamada de Fez Jdid.

O conjunto dessas duas cidades é o que chamamos de Medina de Fez.

Cada uma delas tem seu próprio mercado (Souk), palácios, mesquitas e áreas residenciais.

No século XX, quando os franceses estabeleceram-se no Marrrocos, eles preservaram a Medina, construindo sua própria área residencial em uma terceira cidade (Ville Nouvelle), do lado de fora dos muros de Fez.

Se você tem interesse em entender o que os franceses estavam fazendo lá, leia meu post Pequena História do Marrocos. Esse aqui é mais voltado ao turismo, o que ver e fazer na cidade.

Fez El-Bali (cidade antiga, séc VIII)

No século VIII, o Marrocos era habitado por povos berberes, que viviam em tribos.

Enquanto isso, os povos árabes já haviam estabelecido reinos organizados e ocupavam, além do Oriente Médio, uma grande porção do norte da África.

Uma troca de dinastia governante no mundo árabe fez com que um deles, Idriss, se refugiasse no Marrocos.

Lá, Idriss conseguiu obter o apoio de várias tribos e, pela primeira vez, organizar um reino nos moldes árabes no extremo noroeste da África.

Idriss, que havia casado com uma mulher berbere, também idealizou uma cidade: Fez.

Seu filho e sucessor, Idriss II, desenvolveu a cidade, que passou a ser capital de seu pequeno reino formado por uma maioria berbere e alguns árabes.

Foi nessa época que o idioma árabe começou a ser utilizado na região, junto com a expansão da religião muçulmana.

É dessa época a fundação do prédio mais antigo ainda em pé em Fez: a mesquita Al-Qarawyiyin (ano 859).

Ela foi fundada por uma família árabe que vinha de Qayrawan, na atual Tunísia.

As mesquitas do antigo mundo árabe, além de local religioso, eram centros de ensino.

Ao redor da mesquita Al-Qarawyiyin, foram estabelecidas várias escolas (madrasas), dando origem à universidade mais antiga do mundo.

Também foi construída uma biblioteca. Entre suas raridades, há um Alcorão (a bíblia dos muçulmanos) do século IX.

Quem não é muçulmano não pode entrar, então só pude ver a Biblioteca Al-Qarawyiyin pelo lado de fora.

Essa entrada da biblioteca fica na praça Seffarine, uma das mais importante de Fez el-Bali.

Nela, muitos artesãos praticam seus ofícios da mesma forma em que seus antepassados faziam.

E esse é um dos charmes da medina.

A propósito, não é só aí que presenciamos artesãos na cidade.

Em todo o souk (literalmente mercado, mas, na prática, ruas de comércio cobertas), vemos antigos ofícios sendo praticados ao ar livre.

Isso inclui os curtumes, que fazem parte da vida da cidade há pelo menos mil anos.

Ainda existem três curtumes tradicionais na cidade, dentre os quais o mais conhecido é o Chouara.

Todos eles são hoje cooperativas, onde trabalham cerca de 300 famílias.

Para observar de cima as banheiras de tinta (que ficam super coloridas durante as manhãs), a única maneira é entrar nas lojas de artigos de couro que ficam ao redor do curtume.

Li vários artigos na internet dizendo que as melhores vistas são da loja 10 e da loja 64.

Também é possível visitar o próprio curtume, circulando entre as banheiras e aprendendo sobre como funciona todo o processo de preparação do couro.

O couro produzido nesses curtumes é de excelente qualidade e exportado para o mundo todo.

Mas, atenção: os produtos das lojas ao redor do curtume não são necessariamente feitos com o couro produzido ali.

Esse artigo, de um site especializado no Marrocos, recomenda comprar artigos de couro nas lojas do centro da medina, não nas lojas ao redor dos curtumes.

Além dos curtumes, outra área de artesania com destaque na cidade são os mosaicos em estilo marroquino, produzido com uma técnica milenar conhecida como Zellige.

Mosaicos existem há mais de 8 mil anos. O que diferencia a técnica marroquina das outras é que, nela, pedaços de cerâmica são cortados à mão e delicadamente colocados lado a lado para formar imagens geométricas pré-definidas.

Essa técnica surgiu há mais de mil anos e evoluiu significativamente nos reinos árabes da Península Ibérica entre os séculos XIII e XIV.

Com a expulsão dos muçulmanos da Andaluzia, a técnica foi preservada no Marrocos, onde foi transmitida de geração para geração até os dias de hoje.

Embora a industrialização tenha reduzido significativamente a quantidade de mosaicos marroquinos produzidos artesanalmente (segundo esse artigo, o preço do produto artesanal é quase 30 vezes superior ao preço do mosaico industrializado), algumas cooperativas mantém a tradição na cidade de Fez.

Eu visitei a Art D’Argile, onde a gente pode ver o produto sendo feito.

Lá também são feitos artigos de cerâmica.

Essas duas artes são ensinadas para os novatos em uma escola que existe no mesmo local.

Para os turistas, também é possível participar de um workshop ou, simplemente, comprar um produto para levar para casa (entrega disponível para qualquer lugar do mundo).

Além da Art D’Argile, outra opção é visitar a Art Naji, pertinho dali.

Na mesma região ainda existe uma cooperativa de artesãos de cerâmica, a Fes Mosaic & Pottery.

Mas vamos voltar para o centro da cidade, que era onde estávamos quando começamos a falar sobre artesania marroquina.

Estávamos na biblioteca Al-Qarawyiyin, que fica na praça Seffarine, o coração da cidade antiga.

De lá, seguimos 400 metros e chegamos em outra praça icônica da cidade, a Nejjarine.

Nesse curto trajeto, a gente passa pelo mausóleu de Idriss II (onde também apenas muçulmanos podem entrar) e por uma outra escola antiguíssima, a Madrasa Al-Attarine (séc. XIV).

Esse prédio é um dos destaques arquitetônicos da cidade, com muitos mosaicos e paredes esculpidas com delicada arte árabe medieval.

Na parte superior ficam pequenos quartos, onde viviam estudantes da Universidade Al-Qarawyiyin.

Há dois motivos para continuar a caminhada até a praça Nejjarine.

O primeiro deles é sua bela fonte de mosaicos.

O segundo é o prédio ali atrás.

Trata-se de um fondouk, que é uma hospedaria de caravanas, onde os mercadores ficavam com seus camelos quando traziam produtos de outros locais para venda na cidade.

Esse fonduk foi construída no século XVIII, está muito bem preservado e, atualmente, abriga um museu de carpintaria, que exibe peças talhadas em madeira no século XIV.

Saindo da Praça Nejjarine em direção à Porta (Bab) Bou Jeloud pela rua Talaa Kebira você vai passar por muitos restaurantes ao longo de um trajeto de cerca de 1 quilômetro.

Em todas as ruas ao redor, vai encontrar muitas opções de hospedagem.

Incluindo vários Riads, que são pousadas em casas luxuosas, caracterizadas por seus jardins internos.

Outra opção local de pousada são os Dars.

Assim como os Riads, os Dars também são antigas residências que foram transformadas em pousadas.

Porém, os Dars são casas mais simples, com um pátio interno mais modesto (sem jardim).

Para finalizar o passeio por Fez el Bali, vale a pena caminhar até a Porta Bou Jeloud.

Ela é bem bonita, com mosaicos em verde por dentro e em azul por fora.

Essa porta é bem nova: foi construída pelos franceses, em 1913, para ser a porta principal de entrada para a medina.

O portão antigo, beeeeem mais discreto, ainda pode ser visto num cantinho, ao lado da porta azul.

Pertinho dali fica o Kasbah An-Nouar.

Kasbah, um termo bem comum no Marrocos, significa cidadela fortificada (o mesmo que Alcazaba na Espanha Muçulmana).

Esse kasbah, construído há 800 anos atrás e isolado da medina por muros, teve seu próprio governo até o começo do século XX.

Depois disso ele passou a ser um bairro residencial da cidade de Fez, ligado à medina por esse portão que a gente vê na foto, o Bab Chorfa.

Nessa praça há um mercado aberto, frequentado principalmente pelos moradores da cidade.

Fez Jdid (a cidade do século XIII)

Quando a dinastia Merenid passou a governar o Marrocos, no século XIII, Fez estava ficando pequena para sua população e, por isso, foi ampliada.

Assim surgiu a parte “nova” da Fez medieval, há mais de 700 anos.

Ela é chamada de Fez Jdid e está localizada entre a parte mais antiga da cidade (Fez el Bali, de que falamos acima) e a mais nova, construída pelos franceses no século XX (da qual vamos falar mais adiante).

Parte do muro que ampliou a cidade ainda está em pé.

O portão mais antigo desse muro é o Bab Al-Amer.

Ao seu lado fica o palácio real (Dar Al Makhzen). Ele ocupa cerca de 25% da área de Fez Jdid.

Na segunda metade do século XX, após a independência do Marrocos, o palácio ganhou uma nova fachada.

Ela é hoje uma das imagens mais populares da cidade.

Seguindo pelo lado do palácio chegamos a um outro portão no muro da cidade, esse construído em 1276 (e renovado em 1924): o Bab Semmarine.

Ele é a entrada sul de Fez Jdid.

A rua que entra na cidade é chamada de Grande Rua de Fez el-Jdid. Ela é cheia de lojas e estende-se até a entrada antiga do palácio.

Para o outro lado desse portão, ou seja, do lado de fora dos muros, fica o antigo bairro judeu (Mellah), que existe desde o século XV e foi muito próspero no século XVI, com a chegada da população judia da Andaluzia.

Mas, com o passar dos séculos, a população do bairro foi diminuindo.

E ele foi praticamente abandonado durante o século XX, quando muitos dos judeus que ainda estavam na cidade emigraram para Israel.

A manutenção das casas foi sendo deixada de lado e, hoje, o bairro é um lugar de passagem, onde quem chega na cidade aluga um quarto barato até conseguir instalar-se em um lugar melhor.

Ville Nouvelle (séc. XX)

E, do lado de fora dos muros da medina, tem outra cidade.

É a Cidade Nova (Ville Nouvelle), criada pelos franceses durante o século XX.

Isso foi algo legal da época do protetorado: os franceses não alteraram as cidades tradicionais árabes (medinas).

Ao invés disso, construíram bairros novos (as Ville Nouvelles) do lado de fora dos muros.

Por isso que, nas cidades marroquinas, existe sempre a medina dentro dos muros (tradicional, antiga); e, também, uma cidade nova (do começo do século XX), fora deles.

Na área próxima à medina há vários hotéis e restaurantes.

Como essa parte da cidade é realmente nova, com pouco mais de cem anos, não há nada muito histórico para conhecer além da arquitetura francesa colonial.

Dicas práticas sobre Fez

Eu amei Fez e pretendo voltar. Ela é exatamente o que eu esperava encontrar no Marrocos (diferentemente de Marrakesh, que é mais “europeizada”).

A maioria das atrações turísticas fica na parte mais antiga da cidade, Fez el Bali.

Se você resolver se hospedar nessa região, tente ficar próximo de um dos portões de entrada, pois é muito fácil perder-se no labirinto de ruelas que é a cidade antiga.

Em geral, a cidade é segura, mas informe-se sobre as regiões onde é melhorar não circular à noite.

Eu fiquei no hotel Les Merinides, que é longe da cidade antiga, mas de onde se tem uma vista espetacular da medina.

Do alto, fica mais fácil entender como a medina está organizada (especialmente a partir do momento em que a gente localiza o telhado verde da Universidade Al-Qarawyiyin).

Em Fez é possível contratar excursões para visitar as cidades de que vamos falar em seguida, Meknes e Chefchaouen.

Se você quiser saber mais sobre as atrações da cidade, esse post do Planetware foi um dos melhores que encontrei sobre o assunto.

Meknes, a cidade de um dos sultões mais importantes do Marrocos

Um dos mais importantes sultões do país foi Moulay Ismail, que governou o Marrocos por mais de 50 anos (1672 – 1727).

Ismail, sobre o qual eu já falei no post sobre a história do Marrocos, foi contemporâneo do rei francês Luis XIV, o rei-sol.

Ao mesmo tempo em que Luis XIV construía o palácio de Versailles nos arredores de Paris, Moulay Ismail construía um novo palácio nos arredores de Fez.

Esse palácio deu origem a uma cidade: Meknes.

Por sua grandeza e, também, pelo período em que foi construída, Meknes é chamada de “a Versailles do Marrocos”.

Eu não passei muito tempo por lá. Nosso objetivo era visitar o mausoléu de Moulay Ismail.

O prédio é lindo!

Além de todos os detalhes típicos das construções reais marroquinas, há outros objetos de decoração deslumbrantes, como tapetes tradicionais e dois relógios que foram presente de Luis XIV.

A propósito, Moulay Ismail chegou a propor casamento a uma filha do rei francês (mas que não foi aceito, talvez pelo fato de Ismail ser famoso por ter “mil esposas”).

Outros destaques de Meknes, que é considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, são as muralhas do palácio real e sua principal porta, a Bab Mansour (que estava sendo restaurada quando passei por lá).

Perto de Meknes, também é possível visitar Volubilis, a mais bem preservada cidade romana do Marrocos, reconhecida como Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO.

Volubilis foi onde Idriss I, considerado o fundador do Marrocos, estabeleceu sua primeira capital (séc VIII).

Além de um forum e de banhos termais, as ruínas incluem muitas casas com mosaicos.

Aqui há um vídeo mostrando as ruínas romanas que você encontra em Volubilis.

Cidade Azul: Chefchaouen

Essa cidade de nome difícil de guardar fica escondidinha no meio do Rif, a cadeia de montanhas mais ao norte do Marrocos.

Ela foi fundada no século XV, um período em que vários trechos da costa do Marrocos haviam sido ocupados pelos portugueses.

Grupos de população nativa, os berberes, esconderam-se nas montanhas, de onde tentavam expulsar os portugueses de suas colônias.

Os portugueses partiram, e o vilarejo no meio do Rif cresceu: árabes e judeus refugiaram-se lá, fugindo da Península Ibérica após a reconquista cristã.

A cidade, isolada do mundo, manteve-se praticamente independente pelos séculos seguintes.

Quando os colonizadores espanhois chegaram ao norte do Marrocos, em 1920, descobriram que, naquele vilarejo no meio das montanhas, ainda se falava um idioma castelhano antigo, que não se falava mais na Espanha há séculos.

Chefchaouen passou a ser parte do protetorado espanhol e, assim, manteve-se até 1956, ano da independência e unificação do Marrocos.

O charme de Chefchaouen está na pintura das casas: tudo em azul.

É uma herança dos judeus que vieram da Andaluzia.

Para diferencir suas casas das dos muçulmanos, que tinham detalhes em verde, passaram a pintá-las de azul.

Nas últimas décadas, com o desenvolvimento do turismo no país, o charme das ruas azuis atraiu turistas para a cidade.

E, cada vez mais, o azul se espalha pelas ladeiras da medina.

Embora de difícil acesso, a cidade tem boa estrutura turística.

Há vários restaurantes, hotéis e lojas. E foi lá que comi o melhor tajine (prato típico marroquino) da viagem.

A praça principal da medina é a Uta el Hamman. O nome vem do fato de que havia várias casas de hamman (o banho-turco) ao seu redor.

Hoje ainda há um, que é aberto aos turistas (muitas casas de banho-turca são apenas para muçulmanos).

A praça também tem um kasbah, onde podem ser visitados uma galeria de arte com obras de artistas locais e um museu etnográfico. De sua torre, avista-se toda a cidade.

Chefchaouen também é uma boa base para quem gosta de natureza.

Há várias trilhas pelo Rif e, para quem for dormir por lá, o céu à noite é espetacular, longe das luzes das grandes cidades.

Para mais informações sobre a cidade azul, leia esse post do site Journey Beyond Travel.

Como visitar Fez, Meknes e Chefchaouen

Chegar em Fez é fácil, há vôos diretos de várias capitais europeias.

De Fez a Meknes é cerca de uma hora de carro.

Também é possível fazer o trajeto de transporte público ou em excursão local.

Chegar à cidade-azul, Chefchaouen, é um pouquinho mais trabalhoso.

Embora sejam apenas 200 quilômetros, é uma estrada cheia de curvas pelas montanhas.

Por isso o trajeto leva entre 3 e 4 horas. Até é possível encontrar excursões bate-e-volta com saída de Fez, mas eu acho bem puxado.

Melhor passar uma noite por lá.

Até porque, a “cidade azul” merece! Ela é uma gracinha!