Brasileiros e portugueses tem muita coisa em comum. Mas, em uma, somos bem diferentes: na proximidade com o Marrocos, um país de 37 milhões de habitantes no norte da África.

Para os brasileiros, o Marrocos é um desconhecido. O pouco que sabemos sobre o país vem da TV e do cinema.

O clássico filme Casablanca (1942), a expressão “você já tá pra lá de Marrakesh” (Caetano Veloso, 1975) e algumas cenas da novela O Clone na cidade de Fez (2001) costumam ser nossas principais referências sobre o país.

Já para os portugueses, a história é completamente diferente.

Os países são muito próximos um do outro (um vôo de Lisboa a Casablanca ou Marrakesh leva cerca de 1h30 min).

E os portugueses já foram um pouco donos do país: em 1415 eles conquistaram Ceuta, uma cidade na costa norte do Marrocos; e, logo, estabeleceram colônias na costa leste.

Até hoje sinais dessa presença podem ser vistos por lá, especialmente em El-Jadida, chamada de “Cidade Portuguesa” pelos franceses que ocupariam o país alguns séculos depois.

E, por causa dessa presença de Portugal no Marrocos, até hoje, os portugueses desde crianças já escutam um pouco sobre a história do país vizinho.

Eu visitei o país com um grupo de portugueses, e foi uma experiência incrível.

Em cada parada eu aprendia não só sobre o Marrocos, mas também sobre suas relações com Portugal e outros países europeus.

Esse é um post curtinho, só pra te dar um gostinho da história desse país tão interessante do norte da África.

Geografia, população e religião

O Marrocos é um país grande, quase do tamanho da Espanha. Ele também disputa na ONU um território ao sul, chamado Saara Ocidental, que tem quase o tamanho da Itália.

Pra entender o país, é preciso estar familiarizado com sua geografia.

Pra começar, o Marrocos está bem pertinho da Europa. O país africano está separado da Espanha apenas por uma faixa de mar, o Estreito de Gibraltar.

São só 13 quilômetros, que eu atravessei de ferry em cerca de 1 hora e 15 minutos.

A costa do país, onde ficam a cidade de Casablanca, a capital Rabat e as antigas colônias portuguesas, é fértil e bastante verde.

Já o interior tem uma área de planícies, onde ficam as principais cidades (Marrakesh e Fez) e uma área de montanhas, parte da Cadeia Atlas (que separa o deserto do Saara do mar Mediterrâneo).

Historicamente quem controla as planícies e suas cidades torna-se sultão (ou rei – nova nomenclatura para o mesmo cargo – a partir do século XX).

Mas o sultão não necessariamente controla as montanhas.

Elas são ocupadas por tribos nativas que, no seu conjunto, são conhecidas como povos berberes (da palavra grega que significa bárbaros).

O Marrocos tem também deserto, ao sul das montanhas. O comecinho do Saara fica no Marrocos e é chamado de Deserto de Merzouga.

Lá vivem os tuaregs, que, assim como os berberes, são um conjunto de tribos semi-nômades.

A diferença básica entre eles é que os tuaregs vivem no deserto (e, por muitos séculos, conduziram as caravanas de comerciantes ao longo do Saara), enquanto que os berberes vivem nas montanhas.

A essas alturas você deve estar pensando: “Peraí: o Marrocos não é um país árabe? Onde estão os árabes?”

Bem, eles chegaram mais tarde, apenas no século VII.

Como expliquei no post Pra entender a Andaluzia: a Espanha Muçulmana, a palavra árabe denomina a população originária da Península Arábica que, ao tornar-se muçulmana no século VII, espalhou seu reino, religião e idioma por uma área imensa do globo.

Os árabes que chegaram ao Marrocos – que fica a 5 mil quilômetros de distância da Península Arábica! – foram poucos.

Mas, ainda assim, conseguiram converter os povos berberes para a sua religião.

Ao longo dos séculos seguintes, mais povos que falavam árabe vieram para a região.

Um exemplo são os andaluzes: na medida em que os cristãos iam retomando a Península Ibérica, os muçulmanos que lá viviam e queriam continuar sendo muçulmanos precisavam ir viver em outro lugar.

O Marrocos foi um dos lugares que acolheu esses muçulmanos (e quem visita a Andaluzia e o Marrocos impressiona-se com a semelhança na arquitetura).

Com o passar dos séculos, houve intensa miscigenação entre os novos habitantes árabes e a população nativa berbere.

Estudos recentes indicam que já não há diferença genética significativa entre os habitantes do Marrocos, apesar das diferenças de idioma (tanto o árabe quanto o Tamazigh, idioma berbere, são religiões oficiais do país) e de identificação cultural.

A religião é homogênea: 99% dos marroquinos são muçulmanos.

A difícil arte de governar o Marrocos

A figura considerada o fundador do Marrocos é um árabe chamado Idris. Ele era um Xarife, ou seja, descendente do profeta Maomé.

Ela era da dinastia Ominíada, que foi expulsa de Damasco (na época capital do império árabe, hoje capital da Síria) pela dinastia Abássida.

Refugiando-se no Marrocos, Idriss conseguiu o apoio de algumas tribos berberes e estabeleceu as bases para a formação de um reino.

Ele também idealizou uma cidade: Fez.

Esse árabe, Idris, teve um filho com uma mulher berbere. Esse filho, Idris II, deu continuidade ao desenvolvimento do reino após a morte de seu pai e construiu a cidade sonhada por ele.

Fez seria a capital do Marrocos até o ano 974.

Durante o longo reinado de Idriss II, muitos outros árabes encontraram refúgio nessa cidade.

A maioria deles vinha de duas grandes cidades muçulmanas da época: Córdoba (na atual Espanha) e Kairouan (na atual Tunísia).

Isso foi ótimo para a cidade de Fez.

Ela logo tornou-se o principal caminho de comércio entre a Espanha e o Oriente Médio, o que promoveu seu desenvolvimento e enriquecimento.

Também foi fundada uma universidade, que é considerada pela UNESCO e pelo Guinness Book of Records como a mais antiga ainda em funcionamento em todo o mundo.

Mas, depois que Idriss II morreu, demorou até um novo líder conseguir impor-se na região.

O poder nas mãos dos povos nativos: as dinastias berberes

As dinastias seguintes vieram dos povos berberes: Almoravids (1062 – 1145), Almohads (1145 – 1248), Merenids (1248 – 1465) e Wattasids (1465 – 1564).

Os Almoravids, que também controlaram a Peninsula Ibérica, fundaram uma nova capital: Marrakesh (1062).

Depois deles, os Almohads também controlaram a Andaluzia (que governavam a partir de Sevilha).

Mas, enquanto essas dinastias tentavam expandir seu poder na Europa, perdiam força no Marrocos.

No vácuo de poder, muitas tribos berberes conseguiram retomar sua autonomia, até que uma delas, a dos Merenids, controlou Fez.

A dinastia Merenid governou o Marrocos de 1248 a 1465, porém não consigou recuperar o controle sobre os povos das montanhas e do deserto.

Foi por essa época que o país passou a ter uma divisão informal entre “territórios controlados pelo governo” (Bled el Makhzen), que eram os que ficavam nas planícies, e “terras não governadas” (Bled el Siba), que eram as que ficavam nas montanhas e no deserto, onde viviam tribos berberes e tuaregs.

Também foi nessa fase que os portugueses chegaram ao Marrocos: eles ocuparam Ceuta, na costa do Mediterrâneo, em 1415. E, logo em seguida, ocuparam vários portos marroquinos no Atlântico.

O enfraquecimento dos Merenids possibilitou que uma nova dinastia berbere ocupasse Fez e Marrakesh: os Wattasids.

Mas eles não conseguiram mantê-las por muito tempo. Perderam Marrakesh em 1524 e Fez em 1554.

Os Xarifes (descentes do profeta) voltam ao poder

Os conquistadores eram uma família árabe que vivia ao sul de Marrakesh e que, assim como a dinastia Idris, apresentava-se como descendente de Maomé.

Eram os Saadi. Durante seu governo (1554-1669), aconteceu no Marrocos um episódio muito importante da história portuguesa.

Em 1578, o rei português, Dom Sebastião, envolveu-se numa disputa de poder no Marrocos entre dois Saadis pretendentes ao trono.

Dom Sebastião foi ao Marrocos – e nunca mais voltou!

Sua morte levaria a disputas internas em Portugal que levariam à União Ibérica (1580 – 1640), período durante o qual Portugal foi governado pelo rei da Espanha.

Esse episódio, conhecido como “a batalha dos três reis”, foi excelente para a dinastia Saadi: para resgatar os nobres portugueses do Marrocos, Portugal pagou altos valores como resgate, o que viabilizou o fortalecimento do novo sultão, Ahmed, que ficou conhecido como “o Vencedor” (El Mansour).

Mas, após sua morte, a instabilidade voltou ao país.

Até a chegada de uma nova dinastia Xarife no poder: a dos Alaouites. Eles governam o Marrocos até hoje.

O Marrocos sob a dinastia Alaouite

Em sua longa história de poder, que já dura 4 séculos, houve muitos altos e baixos.

Um dos altos foi o governo de Moulay Ismail (sultão de 1672 a 1727).

Ele é considerador o fundador da dinastia alaouite e, embora tenha sido bastante violento, é reconhecido pelos marroquinos como o sultão que conseguiu reunificar o país após 5 séculos de divisão entre o governo das planícies, as tribos autônomas das montanhas e os colonizadores europeus da costa.

Ele conseguiu obter isso por meio de força militar: ele criou um exército de 140 mil homens formados por escravos vindos do sul do Saara, com a qual consegui controlar as tribos rebeldes e expulsar espanhois, portugueses e ingleses da costa.

E, para manter a integridade do país, usou também de diplomacia: esse era o tempo em que a França era governada por Luis XIV, o “rei-sol” e o criador do palácio de Versailles.

Aparentemente eles eram próximos: diz a lenda que Moulay Ismail chegou a propor a casamento a uma das filhas de Luis XIV (que recusou). E, no mausoléu do sultão, na cidade de Meknes, há dois relógios que foram presente do rei francês.

Falando em Meknes, essa foi uma cidade fundada por Moulay Ismail para ser sua capital.

Ela foi construída ao mesmo tempo em que Versailles, na França, estava sendo construída. E, em função disso e da suntuosidade das duas, alguns referem-se à Meknes como a “Versailles Marroquina”.

Ismail amava a cidade, onde hoje está seu mausoléu (que vale a pena ser visitado).

Porém, como já havia acontecido na história do Marrocos tantas outras vezes, a união do reino não resistiu à morte do governante.

Disputas internas na segunda metade do século XVIII e uma postura isolacionista em relação à Europa na época de Napoleão (começo do século XIX) enfraqueceram o país de tal forma que criaram condições para a formação de um “protetorado” europeu.

Na prática, isso significava que, embora ainda houvesse um sultão alaouite no país, quem mandava mesmo no país eram representantes da França e da Espanha.

Os franceses ocuparam Casablanca, na costa do oceano Atlântico (1907); os espanhóis ocuparam Melilla, na costa do Mediterrâneo (1909).

Em 1912, um sultão enfraquecido e prestes a perder o poder para as tribos berberes que tentavam ocupar a capital, assinou um tratado com a França (Tratado de Fez).

Nele, o sultão dava à França o direito de “defender” o Marrocos, ou seja, controlar as tribos e ocupar as “terras não governadas” (Bled el Siba). Também dava à França o direito de representar o Marrocos internacionalmente.

Um tratado similar foi assinado com a Espanha.

E foi assim que o Marrocos passou a ser, até sua independência em 1956, um protetorado, em parte francês (capital: Casablanca), em parte espanhol (capital: Tetouan, no caminho entre Ceuta e Melila).

Franceses e Espanhóis

França e Espanha comportaram-se de formas bem diferentes durante esse período.

A política oficial francesa, representada pelo general Hubert Lyautey, ficou marcada pela frase “Não ofenda nenhuma tradição, não mude nenhum hábito”.

Graças a ele, a antiga cidade de Fez foi preservada: ele declarou a cidade monumento histórico, fazendo com que os franceses que lá se estabeleciam, ao invés de alterar a antiga cidade, criassem uma “cidade nova” (Ville Nouvelle).

Ainda assim, o protetorado francês alterou o país, pois muitos franceses mudaram-se para o Marrocos.

Os franceses viam na ocupação uma “missão civilizatória” e levaram para o país africano seu idioma, bastante comum até hoje.

Não foi de todo ruim: quando os franceses partiram, algumas décadas depois, deixaram lá uma infraestrutura importante, incluindo estradas e aeroportos.

Já os espanhois não tinham nenhum interesse em “civilizar” os marroquinos: seu único objetivo após ocupar Ceuta, Melila e Tetouan era controlar as tribos berberes que viviam nas montanhas da região e tentavam expulsá-los.

Isso aconteceu em 1921 (graças a ajuda dos franceses). Foi a última revolta armada berbere no Marrocos.

Da independência (1956) aos dias de hoje

A classe política marroquina que existia antes do protetorado não deixou de existir.

E, na medida em que o país, especialmente no lado francês, desenvolvia-se, aparecia uma classe média educada que se movimentava pela independência.

No contexto do pós II Guerra Mundial, em que os Estados Unidos e a ONU promoviam a liberdade das colônias europeias, o Marrocos conseguiu sua independência em 1956.

O sultão Mohamed V conseguiu associar-se ao movimento de independência e, trocando seu título de sultão para rei, conseguiu permancecer no poder até sua morte, em 1961.

O Marrocos é, desde aquela época, uma monarquia parlamentar, na qual muitos poderes ainda concentram-se nas mãos do rei. O rei também é o chefe religioso do país.

O rei atual, Mohamed VI, ainda da dinastia alaouite, lentamente moderniza o país.

Um dos campos em que o Marrocos evoluiu no século XXI foi em relação aos direitos das mulheres, bastante restritos na maioria dos países muçulmanos.

Em 2004 o rei conseguiu aprovação do parlamento para a “Lei da Família”, proposta por ele no ano 2000, que amplia os direitos das mulheres em relação a casamento e custódia dos filhos.

Um sinal claro da popularidade do rei é a passagem relativamente tranquila pela Primavera Árabe, movimento que mudou o regime político de vários países vizinhos.

Assim que começaram os protestos em 2011, o rei anunciou que convocaria uma comissão para rever a constituição.

O resultado desse trabalho foi a redução do poder do monarca (que, agora, assim como na maioria dos países parlamentares, é obrigado a reconhecer o líder do partido vencedor nas eleições como Primeiro-Ministro), a garantia dos direitos das mulheres e a adoção do idioma dos povos berberes, o Tamazight, como idioma oficial do país (juntamente com o idioma árabe).

Turismo no Marrocos

Atualmente, é bem comum europeus irem passar férias de praia no Marrocos. O destino mais comum é Agadir, uma cidade nova (reconstruída após ser destruída por terremotos em 1960), que tem muitos resorts, um aeroporto e de onde é possível fazer um bate-e-volta à Marrakesh.

Mas se você quer conhecer a cultura do país, o lugar certo é Fez.

Como eu mencionei antes, os franceses preservaram o centro antigo. E, andando pelos souks (mercados de rua), você irá ver artesãos trabalhando da mesma forma que seus antepassados faziam, séculos atrás.

Uma outra opção é aventurar-se pelo país numa excursão do tipo “Marrocos Completo”, como eu fiz.

Em duas semanas, esse tipo de viagem permite que você conheça as principais cidades do país (Marrakesh, Fez, Casablanca e Rabat) e as principais paisagens (litoral, montanhas, oásis e deserto).

E, ao fazer isso, você vai ter a oportunidade de enxergar como a população e o modo de vida mudam com a paisagem do país.

No Marrocos, você vai ver muito luxo, mas, também, muita pobreza. E isso é um bom retrato do Marrocos, que, em 2021, ficou na 123.ª  posição no Índice de Desenvolvimento Humano (para referência: o Brasil ficou na 87.ª  posição, e Portugal na 38.ª).

Como o Marrocos é bastante diferente do que a gente está acostumado com viagens pela Europa (especialmente em relação à segurança e vestuário), recomendo a quem se interessa por essa viagem a ler algum bom guia antes de ir. Eu usei o The Rough Guide to Morocco.

Eu amei conhecer o país. Foi minha primeira viagem tanto ao continente africano quanto a um país muçulmano, e valeu muito a pena.