O Império Bizantino foi a continuidade do Império Romano e, oficialmente, existiu do ano 395 até o ano 1453.
Mas, como sua capital não era Roma, seu idioma não era latim e sua religião não era politeísta, os historiadores precisavam de um novo nome.
E escolheram Bizantino, vindo de Byzantium, uma antiga colônia grega que existia onde foi fundada sua capital, Constantinopla (hoje chamada de Istambul).
Mas se a capital era Constantinopla, o idioma e a cultura eram gregos e a religião era o cristianismo, por que estou dizendo que era a continuidade do Império Romano?
Voltemos ao Império Romano no seu apogeu, no século II, quando ele abrangia todo o entorno do mar Mediterrâneo:

The extent of the Roman Empire in 117 CE. Fonte: Encyclopædia Britannica, Inc.
O Império Romano ficou tão grande que, para viabilizar sua administração, no ano 285, ele foi dividido pelo imperador Diocleciano em dois, com duas capitais e dois imperadores.
Roma ficou sendo a capital do oeste; e Nicomedia, na Anatólia (ou Ásia Menor) a capital do leste.

Fonte: Britannica Kids
Como eu já contei no post sobre Split, na Croácia, Diocleciano tinha planos de se aposentar.
E, no ano 305, tanto ele, que governava o leste, quanto Maximiliano, imperador do oeste, abdicaram e cederam seu lugar para seus respectivos sucessores, Galerius e Constantius.
Depois de algumas escaramuças militares, Constantino, filho de Constantius, tornou-se imperador do leste no ano 312.
E, doze anos depois, derrotou o imperador do oeste, assumindo o controle sobre um reunificado Império Romano.
Só que, ao invés de governar de Roma, capital original, ele decidiu que a sede de seu império seria no leste.
E, ao invés de voltar para Nicomedia, escolheu uma antiga colônia grega, Byzantium, a 100 km dali, para ser sua capital.
Ele transformou a cidade e, em 330, fez dela a capital do Império, chamando-a de Nova Roma.
Pouco depois ela já seria conhecida como Constantinopla (cidade de Constantino).
Quanto à religião, embora o Império Romano fosse politeísta, o número de cristãos crescia ano após ano.
Até o tempo de Constantino eles eram perseguidos.
Mas Constantino era cristão e transformou o cristianismo em religião oficial do império.
Pronto! No ano 330 já estavam dadas as características do Império Romano que se perpetuariam até 1453: cultura grega, religião cristã e capital Constantinopla.
A longa queda de Roma (330-476)
Embora não fosse mais a capital, ainda ficava em Roma o Senado, que, junto com o Imperador sediado em Constantinopla, governava o império.
Constantino chegou a criar um Senado em Constantinopla, mas ele tinha poderes apenas sobre a província.
O império permaneceu unificado até 395, quando o Imperador Theodosius dividiu-o mais uma vez.
Seu filho Arcadius tornou-se imperador do lado oriental (com sede em Constantinopla) e seu outro filho, Honorius, tornou-se imperador do lado ocidental (o Senado permanecia em Roma, mas o imperador e a corte foram para Milão e, depois, para Ravenna).
Quanto à religião, nessa época já havia um líder religioso em Roma (o Papa) e outro em Constantinopla (o Patriarca).
O lado ocidental do império estava extremamente enfraquecido e sob ataque das tribos germânicas, que ficaram conhecidas como “os bárbaros” (palavra usada para referir-se aos povos que não falavam grego e, por isso, considerados não-civilizados).
No ano 410 uma dessas tribos, a dos Visigodos, atacou e destruiu Roma.
Enquanto isso, outras tribos germânicas como a dos Vândalos, Suevos, Álanos, Francos e Burgundis, atacavam outras regiões do império, incluindo Espanha, França (Gália) e norte da África.
Ao longo do século V, as terra do Império Romano na Europa Ocidental foram reduzidas, praticamente, a alguns territórios na Itália.
Foi um dos herdeiros de Constantino, Constantius II, que deu ao Senado de Constantinopla os mesmos poderes que o Senado de Roma, no ano 451.
No ano 476, bárbaros atacaram Ravenna e depuseram o último imperador do lado ocidental do império.
Nesse mesmo ano, que ficou conhecido como o ano da queda do Império Romano, o Senado de Roma entregou seus poderes para o Senado de Constantinopla.
O Império recupera Roma (476 – 554)
De Constantinopla, os imperadores continuaram tentando reconquistar os territórios na Europa Ocidental perdidos para os bárbaros.
E, para isso, faziam alianças com algumas das tribos germânicas.
Em 488, o imperador Zeno enviou mercenários da tribo dos Ostrogodos para reconquistar Roma, dando-lhes em troca o direito de governar a Itália.
O arranjo funcionou até o governo do imperador Justiniano, que resolveu reassumir o controle sobre a Itália.
Justiniano foi um dos principais imperadores de todos os tempos. Além de reconquistar muitos territórios no norte da África e pacificar as fronteiras com os persas (sassanians), foi ele quem mandou construir a Hagia Sophia.
Essa igreja, a mais famosa de Constantinopla, foi erguida onde antes haiva um templo pagão. Preservada pelos turcos como mesquita, ela está em pé até hoje e é o ponto turístico mais visitado de toda a Turquia.
Mas voltemos à Itália!
Por 20 anos, as tropas de Justiniano tentaram recuperar os territórios nessa região. E conseguiram, no ano 554.
Mas ela estava devastada pelos anos de guerra.
Roma, particularmente, estava desprestigiada: ao invés de capital, ela era agora apenas uma cidade menor em um império de cultura grega governado a partir de Constantinopla.
Era essa a situação quando um novo povo germânico, os lombardos, chegaram à Itália no ano 568.
Eles conquistaram a maior parte das terras que haviam recém sido recuperadas pelo Império, que conseguiu manter apenas uma faixa de terra que ia de Ravenna a Roma, Veneza, mais alguns territórios no sul e a ilha da Sicília.
Peste Bubônica e Árabes Muçulmanos (554 – 751)
A partir do ano 540, um surto de peste bubônica alastrou-se pelo Mediterrâneo. Ele atingiu o Egito, a província mais rica do Império.
Também chegou a Constantinopla, onde estima-se que cerca de 40% da população tenha morrido.
Com menos recursos econômicos, o Império reduziu sua prática de pagamento de tributos aos inimigos para mantê-los a distância e acabou perdendo importantes territórios nos Balcãs (Thrace e Illyricum; para saber mais sobre isso, leia meu post Viagem pelos Balcãs: entenda a história da Península Balcânica).
Guerras contra persas, ávaros e búlgaros nas décadas seguintes enfraqueceram ainda mais o Império.
Mas a maior ameaça vinha dos árabes, que tinham adotado uma nova religião (islamismo, sobre a qual já falei aqui) e, já na década de 630, conquistariam o Egito (que nunca mais foi recuperado) e começariam a conversão da população da Síria e Palestina para a nova religião (cujos praticantes são chamados de muçulmanos).
Ao mesmo tempo, ainda sofrendo com surtos de peste, os imperadores dependiam de mercenários para manter seus exércitos. A presença crescente de estrangeiros transformava o Império.
Para manter sua unidade, uma das estratégias utilizadas por Justiniano foi a unificação da religião. Ele obrigou todos os forasteiros a submeterem-se ao batismo e a seguirem uma bem regrada organização religiosa.
Foram concedidos vários poderes ao clero. Isso fez das cidades bizantinas do século VIII fortalezas onde viviam comunidades lideradas por religiosos.
A Igreja de Constantinopla tornava-se, cada vez mais, diferente da Igreja Romana.
Roma vai-se de vez (séc. VIII)
No século VIII, começam revoltas nos territórios italianos controlados pelos bizantinos e, alguns deles, vão tornando-se indepenendentes.
Os lombardos, que já estavam na Itália desde o ano 568, finalmente tomariam Ravenna, capital do Império Romano/Bizantino, no ano 751.
O papado, sediado em Roma, perdia, assim, a proteção militar de Constantinopla. Em busca de um novo protetor, ele recorreu a um outro povo germânico, já bem estabelecido na Europa Ocidental: os francos.
Ao longo dos três séculos anteriores, esse povo bárbaro, que também vinha de onde hoje é a Alemanha, havia ocupado territórios onde hoje ficam Bélgica, Holanda e França.
Eles haviam convertido-se ao cristianismo e adotado muitas práticas romanas.
No final do século VIII, à pedido do Papa, os francos invadiram a Itália e controlaram os lombardos. Como recompensa, a Igreja Romana reconheceu Pippin III como Rei dos Francos.
Pippin, em troca, doou aquela faixa de terra que tinha sido do Império Romano/Bizantino (de Ravenna a Roma) para a Igreja.
Essa faixa de terra passou a ser chamada de “territórios papais” e permaneceu sob controle da Igreja até a formação do estado italiano, em 1870.
Mas não foi só a ocupação de Ravenna que afastou a Igreja Romana, liderada pelo Papa (em Roma), da Igreja de Constantinopla, liderada pelo Patriarca (em Constantinopla).
Ao longo do tempo, haviam surgido divergências religiosas importantes entre as duas lideranças, entre as quais destaca-se o culto a imagens, que havia sido proibido pelo Patriarca, e a disputa sobre qual das duas Igrejas teria jurisdição sobre territórios no Balcãs e no sul da Itália.
Tudo isso levou a um evento decisivo na história da Europa: no ano 800, o Papa Leão III coroou o Rei dos Francos e Lombardos, Carlos Magno, como imperador.
Era a primeira vez que esse título era usado na Europa Ocidental desde 476. E isso criava um conflito com o único Imperador cristão existente na época, baseado em Constantinopla.
Os domínios de Carlos Magno passaram a ser chamados de Sacro Império Romano-Germânico. E esse título, de Imperador do Sacro Império Romano Germânico, continuaria existindo por mais de mil anos, apesar das muitas alterações territoriais e políticas ao longo do tempo.
Claro que o Imperador sediado em Constantinopla, que continuava tentando restaurar o Império Romano, não gostou de saber que a Igreja Romana havia coroado um novo Imperador.
Os atritos entre as duas Igrejas – agora vinculadas a diferentes impérios – cresceriam a partir de então.
O auge do Império Bizantino: era Macedônica (séc. IX a XI)
No século X, sob governo de uma dinastia originária da Macedônia, o Império conseguiu recuperar vários territórios, atingindo o auge de sua expansão no ano 1025.
Dos muçulmanos, eles recuperaram a Síria e a Palestina (entre outras regiões).
Embora não tenha sido possível reconquistar Jerusalém, Antióquia, que era uma das cidades onde havia um Patriarca, foi recuperada.
O Império também expandiu-se para o nordeste, com a incorporação do que hoje é a Geórgia e parte da Armênia, e para os Balcãs, com várias vitórias sobre os búlgaros.
Além da expansão militar, houve também atração do povos que viviam nos Balcãs para a órbita do império por meio da conversão religiosa.
Uma estratégia bem sucedida foi a invenção do cirílico (alfabeto eslavo), que permitiu que a Bíblia fosse lida por esses povos.
O idioma eslavo tinha mais sons do que o grego, por isso foram criadas 43 letras novas para representá-los.
Adaptações desse idioma existem até hoje e formam os alfabetos cirílicos atuais, utilizados na Rússia, Ucrânia, Bulgária e Sérvia.
As relações com a Rússia haviam começado no século IX, quando russos que navegavam de Kiev até o mar Negro atacaram Constantinopla (860).
A estratégia bizantina para contê-los foi religiosa: missionários foram para a Rússia e estabeleceram relações comerciais entre as duas áreas.
Depois de algumas escaramuças, o Império Bizantino garantiu sua influência sobre a Rússia com a conversão e batismo de Vladimir de Kiev, em 989, e a criação de uma Igreja Oficial na Rússia, subordinada ao Patriarca de Constantinopla.
O cristianismo ortodoxo é, até hoje, a principal religião na Rússia.
Quanto à Europa Ocidental, a existência de um inimigo comum, os árabes (que haviam controlado a Sicília), levou a muitas negociações.
Mais uma vez, parecia possível recriar o antigo Império Romano com a recuperação da Itália.
Mas, quando o rei dos Saxões, Otto I, foi declarado Imperador do Sacro Império Romano-Germânico pelo Papa (962), depois de 4 décadas de inexistência dessa figura, as relações entre as duas regiões estremeceram novamente, e a ideia de recriação do antigo Império Romano foi abandonada mais uma vez.
Declínio (séc. XI a XV)
Entre os anos 1025 e 1081, o Império Romano/Bizantino teve 13 imperadores diferentes. Isso era reflexo das divisões entre sua elite.
Nessa mesma época, surgia uma nova ameaça no leste: os turcos Seljuq, que havia conquistado a Pérsia em 1055 e assumido o controle de Bagdá (uma das cidades mais avançadas do mundo nesse tempo e sobre a qual já falei no post sobre a Andaluzia).
Em poucas décadas, e contando com as divisões políticas dos bizantinos, os turcos conquistaram praticamente toda a Anatólia, coração do Império.
Enquanto isso, os últimos territórios na Itália iam sendo tomados por um novo inimigo no ocidente: os normandos, sobre os quais já falei nesse post sobre a Irlanda.
Da Itália, os normandos foram para a Albânia. E, a partir de lá, tentaram ocupar também a Thessalônica (Grécia), já no caminho de Constantinopla.
A cidade de Constantino, assim, deixava de ser a capital de um dos maiores impérios do mundo para tornar-se a capital de um pequeno reino grego lutando por sobrevivência.
O Imperador teve que pedir ajuda aos venezianos que, em troca, ganharam privilégios comerciais em Constantinopla (o que permitiria que os venezianos controlassem o comércio no oeste do Mediterrâneo nos séculos seguintes).
Nessa mesma época, as relações entre as Igrejas de Roma e Constantinopla tornavam-se cada vez mais complicadas.
Em 1054 o Papa Leão IX excomungou o Patriarca Michael Cerularius, que, em retaliação, também excomungou o Papa.
Ainda assim, uma das estratégias do Império Bizantino para conter a tribo turca de Pechenegs (que tinha ocupado a Ásia Menor) e os normandos (que estavam nos Balcãs) foi pedir ajuda à Roma.
À pedido do Imperador Alexius I (1057-1118), o Papa Urbano II, no ano 1095, fez um chamado para uma “Guerra Santa”.
O apelo aos cristãos da Europa Ocidental era para salvar Jerusalém, que havia sido ocupada pelos turcos Seljuks em 1071.
Era o começo das Cruzadas, que levariam ao fim do Império Romano.
A Primeira e a Segunda Cruzada
Ironicamente, entre os cristãos do Ocidente que animadamente resolveram entrar na Guerra Santa, muitos eram normandos, inclusive 4 de seus 8 líderes.
No caminho para Jerusalém, os cruzados tinham que passar por Constantinopla. O Imperador fez com que eles jurassem que os territórios tomados dos turcos seriam devolvidos para o Império.
Funcionou com o primeiro território reconquistado na Anatólia, Niceae (hoje Iznik), em 1097.
Mas quando eles chegaram a Antióquia, os cruzados decidiram estabelecer um principado próprio por lá.
E continuaram fazendo isso no resto do caminho.
No ano 1100 fundaram o Reino de Jerusalém (que corresponde ao que é hoje Israel, sul do Líbano e sudoeste da Jordânia) e os condados de Edessa (na Anatolia) e Tripoli (onde hoje é a Síria).
Embora essa primeira Cruzada tenha ajudado o Império a conter os turcos, ela tinha permitido a entrada de Roma e dos reinos cristãos da Europa Ocidental na Ásia.
Quando os cruzados perderam Edessa para os turcos, algumas décadas depois, foi organizada uma Segunda Cruzada.
Isso não era bom para o Império Bizantino, que, desde o término da primeira, havia estabelecido relações diplomáticas com os turcos para evitar um ataque a Constantinopla.
Os cruzados foram derrotados pelos turcos na Anatólia. Para justificar a derrota, acusaram os bizantinos de traição.
Ainda assim, os cruzados conseguiram chegar a Jerusalém. E, de lá, decidiram atacar Damasco – onde sofreram nova derrota.
Os fracassados líderes cruzados voltaram para a Europa Ocidental e espalharam a história de que haviam sido traídos pelos bizantinos.
Começava a surgir na cristandade ocidental a ideia de ocupar Constantinopla.
A Terceira Cruzada
Ainda assim, o imperador bizantino Manuel I conseguiu manter a amizade com o Imperador do Sacro Império Romano Germânico, Conrad III.
Eles chegaram a planejar juntos um ataque contra seu inimigo comum, os normandos, que ainda estavam na Itália.
Mas Conrad foi sucedido por Frederick I, que não tinha interesse nessa aliança.
Sozinho, Manuel atacou os normandos. Seu fracasso foi a última tentativa de reconstrução do antigo Império Romano.
Ele foi mais bem sucedido no leste, com vitórias importantes no Balcãs e recuperando Antióquia.
Mas seu exército foi destruído quando ele tentou recuperar a Anatólia dos turcos Seljuqs – que contaram com a ajuda do novo Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Frederick I.
Manuel também provocou a ira da República de Veneza, ao prender todos os venezianos que viviam em Constantinopla e confiscar suas propriedades (após seus protestos contra os tratados de Constantinopla com Gênova e Pisa).
Depois da morte de Manuel, a combinação desses elementos levou o Império Bizantino a sofrer muitas perdas.
A Sérvia, o Chipre e a Bulgária declararam-se independentes, a Hungria rompeu os acordos previamente negociados, os normandos mais uma vez tomaram Thessalônica e, por um triz, Constantinopla não foi perdida na Terceira Cruzada.
Ela tinha como objetivo oficial a reconquista de Jerusalém e da Terra Santa, que haviam sido conquistadas pelos muçulmanos sob liderança de Saladin.
Mas a Cruzada era liderada por Frederick I, cuja intenção principal era, na verdade, ocupar Constantinopla. Mas ele morreu no caminho.
Seria a Quarta Cruzada que devastaria a capital do Império Bizantino.
A(s) tomada(s) de Constantinopla
A Quarta Cruzada foi chamada pelo Papa Inocêncio III como mais uma tentativa de recuperar a Terra Santa.
Mas uma série de coincidências levou a jornada para outra direção.
Para começar, o nobre francês escolhido para liderar a Cruzada, Boniface Montserrat, tinha relações pessoais tanto com o Império Bizantino quanto com as províncias estabelecidas pelos Cruzados na Terra Santa no século anterior.
Seu irmão, Conrad, que tinha sido um cruzado, havia casado com a irmã do imperador bizantino Isaac II.
Esse imperador foi deposto por conflitos internos e, alguns anos depois, seu filho Alexius conseguiu escapar de Constantinopla.
Para obter ajuda, ele procurou sua irmã Irene, que havia casado com Philipp Hohenstaufen, príncipe alemão e irmão do imperador do Sacro Império Romano Germânico (Henrique VI).
No Natal de 1201, encontraram-se o príncipe bizantino Alexius, seu cunhado alemão Philipp e o líder da Cruzada Boniface.
Eles discutiram a possibilidade de usar a Cruzada para recolocar Isaac II no trono.
Chegaram a pedir autorização ao Papa, que rejeitou o pedido.
Apesar da proibição, Boniface e Alexius ainda esperavam encontrar uma maneira de parar em Constantinopla no caminho para Jerusalém.
Outra coincidência aconteceu quando os cruzados chegaram à Veneza.
Os franceses haviam contratado uma frota veneziana para levar os cruzados até a Terra Santa.
Mas havia apenas um terço dos homens esperados e os franceses não tinham como pagar pelos navios e suprimentos.
O hábil líder de Veneza (que ocupava o cargo de Doge) propôs uma troca: se os cruzados ajudassem os venezianos a controlar Zadar (hoje na Croácia), eles poderiam pagar o transporte até a Terra Santa mais tarde, com o que fossem conquistando pelo caminho.
Mesmo com nova proibição do Papa (Zadar era uma cidade cristã que se encontrava sob controle dos húngaros, que haviam jurado apoio às Cruzadas), os cruzados, sem outras opções para pagar o transporte, foram para Zadar.
Quando eles estavam lá, receberam por enviados do príncipe Philipp a oferta do príncipe bizantino Alexius: se, no caminho, os Cruzados parassem em Constantinopla e recolocassem seu pai no trono, a Igreja Bizantina se submeteria à Igreja Romana e os bizantinos juntariam-se aos cruzados num ataque ao Egito, que, nessa época, era um dos centros dos muçulmanos.
Os líderes dos cruzados aceitaram (embora muitos outros tenham se negado e desertado), e Constantinopla foi cercada em junho de 1203.
Mas o governo de Alexius e seu pai Isaac II não durou muito, porque houve revolta da população da cidade contra seus amigos forasteiros. Além disso, os recursos da cidade não eram suficientes para manter a promessa feita aos cruzados.
Revoltados, os cruzados declararam guerra à Constantinopla. O ataque foi brutal e é considerado uma das maiores destruições da história.
Francos e venezianos dividiram o Império, elegeram um novo Imperador e escolheram um novo Patriarca.
Constantinopla permaneceria ocupada de 1204 a 1261.
O governo bizantino exilado estabeleceu-se em Niceae.
Um outro grupo de bizantinos criou o Principado de Epiros, onde hoje é o sul da Albânia e o noroeste da Grécia.
Ao contrário do que os cruzados imaginavam, a conquista de Constantinopla não ajudou na retomada da Terra Santa.
Quem mais ganhou com a ocupação foram os venezianos, que se apropriaram dos portos e ilhas considerados importantes em suas rotas marítimas.
Constantinopla seria retomada pelos bizantinos com a ajuda de Gênova, rival de Veneza, quase 60 anos depois.
Mas a cidade estava empobrecida, destruída e abandonada, e o Império era agora pouco mais do que uma cidade-estado.

Byzantine Empire. Fonte: Encyclopaedia Britannica, Inc.
Os últimos 200 anos
Durante a ocupação de Constantinopla, o governo exilado em Nicaea (Anatólia) havia prosperado por meio de produção agrícola e comércio com os turcos Seljuqs.
Também os território nos Balcãs (Thessalônica) estavam bem, e havia um equilíbrio entre essas duas regiões.
Mas, quando a capital voltou para Constantinopla, houve um abandono de Nicaea, o que possibilitou a expansão dos turcos na Anatólia.
Os líderes das outras áreas de resistência bizantina, principado de Epirus e império de Trebizond (em laranja no mapa acima), não aceitaram o novo imperador, Michael VIII, e ele gastou muito dos recursos de Nicaea tentando controlar essas duas regiões, sem sucesso.
Os principais custos eram com pagamento de mercenários e de tributos a aliados.
Embora as lideranças do exército ainda fossem aristocratas, agora não havia mais pequenos proprietários de terra dispostos a lutar pelo Imperador (resultado da concentração de terras iniciada no século X).
Outra consequência do retorno para Constantinopla foi que, para compensar a ajuda dos genoveses, o Imperador permitiu o estabelecimento de uma colônia, Gálata, bem na frente da capital.
Em poucas décadas, as receitas comerciais dessa colônia (que hoje é um bairro de Istambul) seriam maiores do que as de Constantinopla.
Enquanto isso, os franceses tentavam convencer o Papa a fazer novas Cruzadas para retomar os territórios que os bizantinos ainda possuiam na Itália e na Grécia.
Para proteger o Império, mais uma vez um imperador Bizantino vai até Roma para negociar a submissão da Igreja de Constantinopla (agora chamada de Ortodoxa) à Igreja Romana.
O acordo saiu (Concelho de Lyon, 1274), mas o Imperador Michael VIII foi considerado um traidor pela população e pelo Patriarca.
O novo imperador, seu filho Andronicus II, desfez tudo que seu pai havia feito, resolvendo alguns mas causando novos problemas.
Para reduzir custos militares, ele desmontou a marinha.
Os marinheiros, agora desempregados, passaram a trabalhar para os turcos, que estavam focados em ocupar as ilhas bizantinas do mar Egeu.
Os bizantinos pediram ajuda aos genoveses mais uma vez.
Isso provocou a revolta dos venezianos e levou a uma série de batalhas navais em Constantinopla.
Mais tarde, Andronicus pediu ajuda a mercenários catalãos, que acabaram se aproximando dos turcos e causando novos problemas.
Andronicus também desfez o acordo de seu pai com a Igreja Romana, o que agradou a população, mas facilitou a aproximação do principado de Epiros e do governo da Thessalônica com os príncipes italianos.
Foi nessa época que os turcos Otomanos começaram a ocupar o noroeste da Anatólia.
A essas alturas, a única coisa que ia bem no Império Bizantino era um renascimento cultural e religioso.
A Igreja Ortodoxa tinha espalhado-se até a Rússia e os Patriarcas de Constantinopla eram respeitados em um imenso território, ocupado por diferentes populações.
Muitos estudos de filosofia, teologia, matemática e astronomia, além de relatos históricos, foram produzidos nessa época.
Os ensinamentos gregos voltaram a ter destaque e muitos trabalhos em latim foram traduzidos para o idioma.
Mas já não havia muito mais o que fazer contra os turcos Otomanos, que ocuparam Nicaea em 1331 e, logo em seguida, já controlavam todo o noroeste da Anatólia.
A única estratégia possível foi aliar-se a eles e contar com os soldados turcos para lutar contra os outros inimigos do Império: italianos, sérvios e búlgaros.
Não adiantou muito: em 1348 os sérvios já haviam conquistado o norte da Grécia.
Guerras civis e mais um surto de peste bubônica (que, dessa vez, ficou conhecida como Peste Negra) precipitaram o fim.
Em 1354, os turcos Otomanos estabeleceram seu primeiro ponto fixo na Europa, em Gallipoli.
Essa cidade, no estreito de Dardanelos, é um ponto estratégico de passagem entre a Europa e a Ásia.
Nos cem anos seguintes os turcos Otomanos avançaram pelos Balcãs.
Sérvia, Bulgária e o que restava do Império Bizantino submeteram-se a eles, sendo obrigados a pagar tributos e fornecer soldados.
Conflitos entre os diferentes povos turcos possibilitaram que os Bizantinos mantivessem Constantinopla sob seu controle até 1453.
O outro único território que eles conseguiram manter durante o século XV foi o principado de Morea, no sul da Grécia.
Sua capital, Mystras (hoje considerada Patrimônio da Humanidade) foi o último centro cultural bizantino.
O último imperador bizantino ainda conseguiu apoio do ocidente uma última vez: foi organizada uma nova Cruzada, da qual participaram os reis da Hungria, da Sérvia e da Transilvânia.
O objetivo era impedir a tomada de Constantinopla pelos turcos, mas ela fracassou rapidamente.
Genoveses e venezianos também tentaram ajudar a cidade quando ela foi atacada pelos turcos Otomanos em abril de 1453. Mas já era muito muito muito tarde.
Depois de tomar Constantinopla, os turcos ocupariam Atenas (1458). O Principado de Morea rendeu-se em 1460, e o Império de Trebizond, em 1461.
Constantinopla depois do fim do Império Bizantino: surge Istambul
Como era tradição na época, o Sultão Mehmed II permitiu que os soldados saqueassem a cidade por três dias. Mas não permitiu que ela fosse destruída.
Depois disso, ele assumiu o controle e, rapidamente, recuperou Constantinopla e a repopulou, trazendo pessoas das diferentes regiões que eles já haviam conquistado, incluindo cristãos, muçulmanos e judeus.
Essas pessoas foram não apenas autorizadas a manter sua religião, idioma e tradições, como, também estabelecer comunidades chamadas millets onde podiam manter suas tradições, idioma e religião.
O Patriarca continuou tendo amplos poderes, sendo responsável por todos os cristãos vivendo na cidade.
Foi nesse tempo que Constantinopla passou a ser formalmente chamada de Istanbul, que vem da expressão grega is tim’bolin , que significava “ir para dentro da cidade” (into the city).
No século XIX, a capital dos turcos Otomanos passaria por um processo de ocidentalização. Ele começou na década de 1830 e acelerou-se durante a Guerra da Criméia (1853-1856), período durante o qual Istambul foi a base de tropas inglesas e francesas.
Em 1870, Istambul foi conectada à Europa por uma linha de trem.
O Império Otomano deixaria de existir em 1922, quando o último sultão fugiu da cidade. Foi fundada a República da Turquia e a capital do novo país passou a ser Ankara – mas Istanbul continua sendo a maior cidade, com uma população três vezes maior do que a nova capital.
O que restou do Império Bizantino?
Seu traço mais permanente é a religião, oficialmente chamada de Igreja Católica Ortodoxa, mas também conhecida como Igreja Grega.
Ela sobreviveu ao fim do Império Bizantino e continua forte até hoje, principalmente nos Balcãs, Oriente Médio, Rússia e países que perteceram à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
A figura do Patriarca de Constantinopla ainda existe e, embora ele não seja mais o chefe de toda a Igreja Ortodoxa, continua sendo seu líder honorário.
Outra reminiscência do Império Romano é o título de czar (ou tzar) da Rússia, que surgiu no século XVI e durou, informalmente, até o século XX.
Os czares russos viam a si mesmo como sucessores dos imperadores bizantinos.
É fácil entender. O catolicismo ortodoxo já era a religião oficial desse país desde o século X. Os russos chamavam o imperador (que, para eles, era o bizantino) de Csar (ou Tsar).
Duas décadas após a tomada de Constantinopla pelos Otomanos (1472), o rei russo, Grand Prince Ivan III, casou-se com a sobrinha do último imperador bizantino, que levou para Moscou as tradições e cerimônias do Império.
Algumas décadas depois, o monge Philoteus de Pskov referiu-se ao novo rei, Vasily III, como tsar, e a Moscou como a “terceira Roma”.
Ivan IV, conhecido como “o Terrível”, seria o primeiro governante russo a ser oficialmente coroado como Czar.
Essa associação ao império bizantino passou a ser ainda mais forte a partir do final do século XVI, quando, em visita à cidade, o Patriarca de Constantinopla, Jeremias II, criou o cargo de “Patriarca de Moscou e de toda a Rússia”.
Essa ideia de que os czares russos eram os sucessores dos imperadores bizantinos só seria deixada de lado no governo de Pedro, o Grande (1672-1725), que promoveu o afastamento da Rússia do mundo bizantino e a aproximação da Europa Ocidental.
Entre as muitas mudanças implementadas por ele está a alteração do título de czar para imperador…. Mas aí já estamos entrando em outra história 🙂
Outra característica importante do Império Bizantino que pode ser observada até hoje é a arquitetura, que resistiu não apenas em Istambul, mas, também, em várias outras regiões da Turquia e de países como Grécia, Macedônia do Norte e Itália.
Esse post do blog Architecture of Cities mostra 25 destaques.
Para saber mais sobre o Império Bizantino
Uma das minhas principais fontes escrevendo esse artigo foi a Enciclopédia Britânica, que tem artigos super completos sobre o Império Bizantino e a Igreja Ortodoxa.
Esse artigo do blog Hypotheses foi fundamental para que eu entendesse as divisões do Império Romano e suas capitais ao longo de mil e quinhentos anos.
E esse vídeo mostra rapidinho (1:26) a evolução territorial do Império, do começo da expansão de Roma até a tomada de Constantinopla pelos turcos Otomanos.
Os comentários estão encerrados.