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A moderna Milão, capital da moda e do design, centro financeiro da Itália, também foi destaque na Europa na Idade Média.
Sua posição geográfica privilegiada favoreceu o comércio. O lucro possibilitou o desenvolvimento de grandes obras, como um sistema de canais para ligar a cidade ao mar e a construção de uma grandiosa catedral, o Duomo de Milão. O prestígio atraiu grandes artistas, como Leonardo da Vinci.
É desse tempo, e sobre como desfrutar dele na cidade de hoje, que a gente vai falar nesse post.
Um pouquinho de história
Milão foi fundada pelos celtas, no século IV AC. Mas foi a partir de 1045 que passou a ser considerada uma comune, ou seja, uma cidade medieval com instituições governamentais autônomas e permanentes.
Em 1277, a cidade passou a ser governada pelo arcebispo de Milão, Ottone Visconti. Sob o governo de sua dinastia (1277 – 1447), Milão tornou-se a cidade mais importante da Lombardia.
O último Visconti a governar a cidade foi Filippo Maria, mas as instituições governamentais criadas por sua família sobreviveram até o século XVIII.
Filippo Maria tinha uma única filha, casada com Francesco Sforza. E foi assim que, após sua morte, a Milão dos Visconti passou a ser a Milão dos Sforza, que ainda controlaram a cidade, mas de forma intermitente, por mais um século (1447 – 1535).
São do período Visconti-Sforza vários dos marcos históricos mais importantes da cidade. Os mais conhecidos são o Duomo, a grandiosa catedral da cidade, e o Castelo Sforzesco, onde Leonardo da Vinci viveu por 17 anos.
Mas vale a pena conhecer também a Piazza Mercanti, onde podem ser vistos os palácios medievais da cidade, e Navigli, que começou como um sistema de canais para ligar Milão ao mar e é hoje sinônimo de vida noturna na cidade.
A Catedral de Milão
Ela começou a tornar-se realidade em 1387, quando o duque Gian Galeazzo Visconti criou a instituição Veneranda Fabbrica del Duomo, que seria responsável por projetar e construir uma nova catedral.
Alguns dizem que a catedral levou séculos para ficar pronta; outros dizem que ela não está pronta ainda.
Algumas datas pseudo-oficiais da conclusão da obra são o ano de 1812, em que a fachada teria ficado pronta graças à Napoleão (que, tendo sido coroado rei da Itália lá, decidiu pagar pelas obras que faltavam) e o ano de 1965, quando o último portão foi inaugurado.
Mas o site oficial do Duomo não fala em data de conclusão, o que, na minha opinião, apoia a teoria daqueles que dizem que ela nunca ficou pronta.
Pra quem quer entender como a construção pode ter levado tanto tempo, sugiro esse post do blog Wondermondo, que faz um resumo da história da construção.
Como visitar o Duomo
Ah, pois é! Vários jeitos. Dificilmente uma visita à catedral vai levar menos do que duas horas, porque tem fila por toda a parte. E, para quem quiser conhecer tudo, pode ser tranquilamente o passeio para um dia inteiro.
É que há muitas coisas para se visitar no Complexo do Duomo. Entrar na catedral é apenas uma delas.
Eu gostei muito de subir no telhado (Terraces), de ir no subterrâneo da igreja, onde tem uma antiga pia batismal (Archeological Area) e no museu, por exemplo.
Aqui tem uma foto do folder que fala das possíveis combinações, valores e horários de cada tipo de visita (em abril de 2018).
Meu lugar preferido foi o telhado. Foi lá que começou a fazer sentido pra mim essa ideia de terem levado tanto tempo na construção. É tanto detalhe!!
Não gostei muito da parte interna da igreja. Como eu já disse em outro post, a Catedral Primada de Toledo, na Espanha, é a minha favorita, vai ser difícil eu gostar de alguma outra depois dela :-).
Mas reconheço que vale a pena entrar no Duomo. Ele é grandioso, moderno (dá pra ver a missa “de pertinho” por meio desses telões) e tem um piso lindo.
Além disso, é dessa área que se tem acesso à área arqueológica, onde estão os resquícios cristãos mais antigos da cidade.
Achei muito interessante o Batistério de São Giovani (Battistero San Giovanni alle Fonti), onde São Ambrósio, o padroeiro de Milão, teria batizado Santo Augustinho no ano de 387.
À propósito, 7 de dezembro é dia de São Ambrósio. E, além dos festejos religiosos, nesse dia começa também a mais tradicional feira de Natal da cidade, chamada Oh Bej! Oh Bej! (dizem que ela acontece desde o ano 1510). É nos arredores do castelo Sforzesco.
Completando o melhor da minha visita ao Duomo, vamos falar do museu. Ele foi aberto em 1953, em parte para abrigar partes da igreja que haviam sido danificadas pelos bombardeios da II Guerra Mundial.
De lá para cá ele foi ampliado e, além de peças que em algum momento estavam na catedral, hoje tem lá também outros objetos ligados ao Duomo e algumas coleções de arte.
O que mais gostei foi essa impressionante maquete em escala de 1:20. Chamada de “Modellone”, ela começou a ser construída em 1519 e só foi considerada pronta três séculos depois.
Por tudo isso, acho que vale muito a pena uma visita ao complexo do Duomo. Tem um pouco de tudo e vai agradar tanto a quem gosta de arquitetura quanto a quem gosta de arte ou arqueologia.
Para quem quiser minimizar o tempo nas filas (que é longo!), aqui está o link para compra de ingresso on-line.
Mas atenção: é mais caro do que comprar na hora e, enquanto eu escrevia esse post, não encontrei opção para comprar on-line acesso a apenas em uma área específica, como é possível fazer quando se compra o ingresso diretamente lá.
Quer saber mais sobre a catedral? Sugiro esse post do blog Milão nas Mãos. Ele tem também um link para outro post, com 10 curiosidades sobre o Duomo, que é bem interessante.
Castelo Sforzesco, lar de Leonardo da Vinci
Assim como o Duomo, o castelo Sforzesco também começou a ser construído pelos Visconti (1368), mas foi durante o governo dos Sforza que ele transformou-se em uma das cortes mais suntuosas da Europa.
Foi durante o reinado de Ludovico, que governou Milão de 1480 a 1494. Ele atraiu para sua corte os mais refinados artistas de seu tempo. Entre eles, em 1482, chegou Leonardo da Vinci, que viveu no castelo por 17 anos.
Durante o tempo em que ficou em Milão, Leonardo pintou seu afresco mais famoso, A Santa Ceia, numa parede da igreja Santa Maria delle Grazie. E, também, participou de vários outros projetos.
Os traços de Da Vinci podem ser vistos por toda a cidade.
No castelo estão várias de suas outras obras, com destaque para as amoreiras que ele pintou no teto da Sala delle Asse, e para o Codex Atlanticus, um conjunto de 1.119 páginas escritas por Leonardo ao longo de 40 anos e que está exposto na Biblioteca Trivulziana.
No Codex estão seus escritos sobre vários temas, mecânica, astronomia, pintura, matemática, filosofia, enfim, um pouco de tudo que o gênio ao longo de sua vida estudou. Uma versão digital do Codex possibilita acesso ao conteúdo das páginas.
Outro trabalho importante de Leonardo na cidade foi sua participação no projeto Navigli, um sistema de canais para ligar Milão ao mar. Seus desenhos podem ser vistos no Museu de Navigli, e eu vou te contar mais sobre Navigli em seguida.
Para terminar o nosso “Tour Da Vinci”, falta falar do Museu de Ciência e Tecnologia Leonardo da Vinci, que, além da maior coleção de modelos baseados nos estudos do artista, tem também muitos eventos inspirados nele.
Para saber mais sobre os passos de Leonardo por Milão, espia esse post do The Telegraph.
E, sobre A Santa Ceia, fica ligado também na minha dica: é fundamental comprar o ingresso on-line com pelo menos quatro meses de antecedência (ou mesmo antes).
Eu tentei comprar muito perto e não consegui. Ou melhor, até poderia ter comprado por meio de alguns sites especializados, mas ao invés de pagar em torno de 10 euros, pagaria mais de 40. Não achei justo e acabei não indo.
Piazza Mercanti, o centro da cidade medieval
O melhor lugar para ver os prédios medievais da cidade é a Piazza Mercanti, escondidinha atrás dos prédios que ficam do outro lado da rua do Duomo.
Era nela que a feira Oh bej! Oh bej! acontecia anualmente até o final do século XIX.
O prédio mais antigo da praça é o Palazzo della Ragione, que era o Palácio de Justiça. Ele foi inaugurado no ano 1233.
Há outros prédios dos séculos seguintes ainda em pé. Esse post fala de alguns deles.
Navigli: um sistema de canais que virou sinônimo de vida noturna
A ideia de dar a Milão um acesso ao mar era muito antiga e, em 1179, começou a construção do Naviglio Grande, o primeiro de cinco canais que dariam à cidade um círculo fluvial. Cem anos depois, esse primeiro canal chegava à cidade.
No fim, ao longo de seis séculos, o sistema de canais (Navigli, em italiano) ficou assim: três deles ligavam Milão ao rio Ticino (Naviglio Grande, Naviglio di Bereguarda e Naviglio Pavese).
Outros dois canais, Naviglio della Martesana e Naviglio di Paderno, criavam um acesso fluvial ao rio Adda.
Esses dois rios ligam-se, ao norte, a dois lagos, Maggiore e Como, respectivamente. Esse acesso, além de faciliar o comércio, viabilizou o transporte do mármore de Candoglia, usado na construção do Duomo.
Além disso, os dois rios desaguam no rio Pó, que se estende até o mar Adriático. O sistema de canais, assim, dava a Milão um acesso direto ao mar.
Fonte: Inland Waterways International – campaigns blog
Toda a história dos canais está descrita no post do IWI (link acima). Alguns dos fatos mais curiosos dessa história são a participação de Leonardo da Vinci e de Napoleão no projeto e os desafios ligados às corredeiras do rio Adda.
Por muitos séculos os barcos não conseguiram passar por um trecho de pouco mais de 2 km do rio em função das corredeiras. Sua carga tinha que ser descarregada e levada por terra até o trecho seguinte. Esse problema só foi resolvido no século XVIII, com a construção do curto Navigli Paderno.
Navigli hoje
A navegação pelo sistema de canais começou a perder importância no século XIX, quando foi superado pelo sistema ferroviário. Na década de 1930, alguns dos canais na área central de Milão passaram a ser cobertos.
Naviglio Grande e Naviglio Pavese sobrevivem até hoje. A área entre eles, que começa onde eles se encontram (Darsena, palavra italiana para porto) e estende-se até as avenidas Cassale e Liguria, é o que conhecemos hoje como o distrito Navigli.
Darsena, que na Idade Média foi um porto importante, é hoje uma charmosa área revitalizada.
Até a década de 1970 esse distrito era uma área operária. Mas, a partir dos anos 80, a área passou a atrair artistas e virar centro da boemia milanesa.
Quem passeia pela região durante o dia vai ver a vida da cidade como ela é, moradores circulam pelas ruas em sua rotina diária, o canal tem a tranquilidade de uma pacata região residencial.
Mas, à noite, a região, que é repleta de bares, especialmente ao longo dos canais, fica cheia de adolescentes, universitários e turistas.
Com a valorização dos últimos anos já é possível encontrar também bons restaurantes e bares para quem já passou dos 30. Esse post do blog Luxos lista alguns deles.
Para quem prefere o dia, a região tem vários outros atrativos, como restaurantes menos turísticos. Nós almoçamos na Trattoria Amici Miei durante a semana e comemos muito bem pagando muito pouco (nos finais de semana é mais caro).
Quem quiser caminhar até o centro histórico (são só 2 km entre Darsena e o Duomo) vai ver pelo caminho muitos lojas alternativas e pequenos restaurantes ao longo da rua Corso di Porta Ticinese.
Seguidos de alguns dos principais resquícios romanos da cidade: as colunas de São Lourenço e a Basílica di San Lorenzo Maggiore.
E vai andar ainda pela Via Torino, uma das principais ruas comerciais de Milão.
Esse post do blog Milão nas Mãos fala mais sobre esse trecho da cidade.
Para terminar
Milão tem ainda muitas outras coisas interessantes, como o Teatro alla Scala, a Galleria Vittorio Emanuele II e o charmoso bairro Brera. Em seguida vai ter post novo no blog contando sobre esses lugares.
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