Coimbra é uma cidade popular entre os turistas que visitam Portugal, mas eles acabam desprezando as outras cidades que formam a província histórica Beira Litoral.
O meu roteiro, que era todo pelo litoral do país, me levou a três cidades na costa dessa província que gostei muito de conhecer: Aveiro, Costa Nova e Figueira da Foz.
Aveiro é famosa por um doce chamado Ovos Moles, inventado pelas freiras do Mosteiro de Jesus.
Costa Nova é um balneário entre o mar e uma lagoa salgada, a Ria de Aveiro, que ficou famoso por suas casas de madeira coloridas.
Figueira da Foz, com 60 mil habitantes, já foi a praia mais badalada de Portugal e é, até hoje, um dos principais destinos de verão ao norte de Lisboa.
Na minha viagem pelo litoral eu pulei a cidade de Coimbra, simplesmente por falta de tempo.
Alguns anos depois visitei a cidade, que foi a segunda capital do país.
Já contei sobre meus dois dias lá no post Coimbra, cidade da universidade mais antiga de Portugal.
Vamos agora passear por Aveiro, Costa Nova e Figueira da Foz.
Aveiro
Esse cidade foi apelidada de Veneza Portuguesa. É que, no centro, encontram-se três canais. Os pequenos barcos que circulam por eles, que lembram gôndolas, são chamados de moliceiros.
Mas Aveiro é famosa mesmo pela produção de Ovos Moles e pelas salinas.
Na região, que foi o principal centro de arquitetura Art Noveau do país, também fica a fábrica de porcelanas Vista Alegre, uma das mais famosas do mundo.
Ovos Moles de Aveiro
Ovos Moles é o nome de um doce feito a base de ovos e açúcar.
Dizem que ele foi inventado pelas freiras que viviam no Mosteiro de Jesus, em Aveiro, no século XVI.
A mistura amarela é colocada dentro de uma hóstia, feita da mesma massa das hóstias utilizadas em missas.
O doce é normalmente colocado dentro de moldes com motivos marítimos – conchas, búzios e peixes – o que o deixa com essa aparência.

Quando as atividades do mosteiro foram encerradas em 1874, após o falecimento da última freira da ordem, a receita teria passado adiante pelas mãos de ex-funcionárias da instituição.
Em 1882, Dona Odília Soares, uma das pessoas que ficou conhecendo a receita, fundou a Casa dos Ovos Moles, hoje chamada de Maria da Apresentação da Cruz (ou M1882).
Eu estive lá, na loja da fábrica (veja o endereço aqui), e achei o doce maravilhoso.
Se você não conseguir ir até lá, não se preocupe: os Ovos Moles de Aveiro são tão famosos que podem ser encontrados em muitos lugares, inclusive nos aeroportos de Lisboa e do Porto.
Salinas
Quando a gente pensa em sal, pensa em um produto barato e acessível. Mas nem sempre foi assim.
O ser humano sempre precisou de sal. Na pré-história, quando a alimentação era a base de caça, o sal vinha dos animais, que o lambem diretamente do solo: não só consumíamos o produto na carne dos animais, como, mais tarde, passamos a segui-los para encontrar reservas naturais do produto.
À medida que cereais e vegetais foram introduzidos na alimentação, passou a ser necessário adicionar sal a esses produtos.
Ele também passou a ser usado para preservar alimentos e como antisséptico.
Mas ele era escasso e, por isso, tornou-se precioso.
Quando o sal disponível na superfície acabava, era necessário obtê-lo por meio de evaporação da água do mar ou por mineração de áreas onde um mar havia existido no passado.
Rotas de sal começaram a aparecer pelo mundo todo.
Uma das estradas mais movimentadas do Império Romano era a Via Salaria, usada para levar o sal retirado de Ostia, na foz do rio Tibre, para Roma.
Lá, o produto era usado como moeda: era com ele que era pago o serviço dos soldados das Legiões Romanas. Vem daí a palavra salário.
Por séculos existiram monopólios de sal e taxas sobre o produto. Esse artigo conta tudo sobre isso.
Foi o desenvolvimento de novas tecnologias de mineração nos últimos dois séculos que tornaram o produto comum e barato.
As Salinas de Aveiro
No século XVI, graças ao comércio do sal, Aveiro era uma cidade rica.
O primeiro documento escrito sobre as salinas de Aveiro é o testamento da Condessa Mumadona (ano 959).
A cidade desenvolveu-se em função do comércio do produto e prosperou.
O sal era obtido por meio de evaporação da água de uma lagoa, a Ria, formada graças ao recuo do mar.
Mas, em 1575, tempestades provocaram o assoreamento do porto e de alguns canais, o que provocou redução do grau de salinidade da área.
A produção de sal praticamente desapareceu a partir de então.
Foi só a partir do século XIX, quando foi aberta a Barra Nova (construção de dois molhes que possibilitavam a navegação na Ria), que as condições da lagoa voltaram a melhorar e a produção de sal voltou a florescer.
Na década de 1970 chegaram a existir 270 salinas ativas em Aveiro.
Hoje ela são apenas nove, produzindo dois tipos de sal: grosso marinho tradicional e flor de sal.
O sal grosso marinho tradicional é raspado manualmente da superfície de lagos de evaporação, processo que possibilita a manutenção de praticamente todos seus minerais.
Por isso ele é mais caro do que o sal refinado, que, ao ser processado para retirada de impurezas, perde também grande parte dos minerais.
Já a flor de sal vem da película de cristais que flutua no leito das salinas. Seu sabor é intenso e crocante.
Você pode visitar a Salinas Aveiro para conhecer o processo de produção.
Para entender a diferença entre esses dois tipos de sal e outros que podem ser encontrados no mercado, como o sal do Himalaia, de cor rosa, leia esse post do blog Dani Noce.
Fábrica de Porcelanas Vista Alegre
Pertinho de Aveiro, em Ílhavo, fica a fábrica das famosas porcelanas Vista Alegre.
Fundada em 1824, ela foi a primeira planta de produção de porcelana em Portugal.
Cinco anos depois, a Vista Alegre recebeu o título de Real Fábrica, em reconhecimento a qualidade de seu produto e ao sucesso do empreendimento.
O reconhecimento internacional veio algumas décadas depois, quando a Vista Alegre participou da Exposição Universal de Londres (1851) e Paris (1867).
No século XX começaram a ser desenvolvidas peças únicas, como o conjunto criado para a rainha inglesa Elizabeth II, e a empresa começou a associar-se à arte, com a criação de um museu e a realização de exposições internacionais em locais como o Museu de Arte de Nova Iorque e o Pallazo Reale em Milão.
Em 2001, o grupo Vista Alegre adquiriu a fábrica de cristal Atlantis, ampliando seu catálogo.
Nos últimos anos, a empresa vem investindo em design, e foi reconhecida internacionalmente com vários prêmios.
Saiba como visitar o museu e o outlet da Vista Alegre e a fábrica de cristal clicando aqui.
Art Noveau em Portugal: Arte Nova
Essa casa destaca-se no centro de Aveiro.

Ela foi projetada no início do século XX por Francisco Augusto da Silva Rocha, considerado o Gaudí português.
O estilo é Art Noveau, que em Portugal foi traduzido literalmente como Arte Nova.
Hoje na casa funciona o Museu Arte Nova, que é o ponto de partida para um roteiro entre outros prédios que seguem o mesmo estilo arquitetônico.
Para saber mais sobre a história da Art Noveau em Portugal, na qual Aveiro destaca-se, leia esse artigo da revista Bica.
Costa Nova do Prado
Lembra que eu falei antes sobre a construção da Barra Nova? Quando isso aconteceu e a Ria voltou a ser navegável, pescadores instalaram-se na Costa Nova, uma faixa de terra entre a Ria e o mar.
Eles construíram palheiros (casas de madeira) coloridos, inicialmente com listras horizontais nas cores ocre e preto, para guardar seus barcos e equipamentos de pesca.

Um exemplar dessa época ainda está lá, é o Palheiro José Estêvão, construído em 1808, e ainda nas cores originais.
Com o passar do tempo, o local tornou-se um balneário frequentado pela alta sociedade aveirense.
Os palheiros passaram a ser alugados como casa de veraneio, e outras casas no mesmo estilo começaram a ser construídas.
O resultado que se vê hoje é uma graça.

Eu me hospedei em Costa Nova, no hotel Varandas da Ria, e me arrependo de não ter ficado mais tempo por lá.
É um privilégio estar entre a Ria, com um calçadão, uma ciclovia e uma grande oferta de esportes náuticos, e o mar.

Dizem que foi na Costa Nova que surgiu a Tripa de Aveiro, outro doce típico da região.
Ele parece uma panqueca recheada. Se você quiser experimentar sem sair de casa, a receita está aqui.
Figueira da Foz
Setenta quilômetros ao sul, no encontro do rio Mondego com o mar, fica Figueira da Foz, uma das praias mais populares ao norte de Lisboa.
Em função de sua posição estratégica, essa área começou a ser povoada logo após a reconquista cristã, ainda no século XI.
O Forte de Santa Catarina foi construído no século XVI, para proteger a pequena vila dos piratas que saqueavam regularmente a localidade.
Foi só no século XIX que Figueira cresceu, graças ao desenvolvimento do porto e da construção naval.
Na virada para o século XX, a cidade se transformaria no principal balneário de Portugal.
Suas grandes atrações eram a faixa de areia dourada, de quase 3 quilômetros, e o Casino Oceano, inaugurado em 1898.
Mas o que eu queria fazer mesmo em Figueira era visitar a Casa do Paço, decorada com azulejos de figura avulsa (enkele tegel), que chegaram misteriosamente até lá.
Para mim, o primeiro mistério foi encontrar a Casa do Paço que, na época, era pouco sinalizada. Visitá-la, só com hora marcada por telefone. Tirei até foto da plaquinha na frente do prédio, vai que a gente precise no futuro, né?

A visita foi excelente, com um grupo pequeno e guiada por uma pessoa que nos contou não apenas a história da casa e dos azulejos, como também da cidade.
Acredita-se que os azulejos tenham sido produzidos na Holanda.
Na casa, há sete mil azulejos distribuídos nas paredes de quatro salas, cada um deles com uma imagem diferente, pintada à mão.

É uma coleção rara, que já foi considerada a mais importante dessa categoria.
Eles dividem-se em três tipos: azulejos com paisagens campestres e marinhas pintados em azul sobre fundo branco; azulejos com cavaleiros, amazonas e personagens históricos pintados em marrom sobre fundo branco; e azulejos com temas bíblicos, também em marrom sobre fundo branco.
Não se sabe como eles chegaram lá, mas a teoria mais aceita é de que os azulejos teriam sido resgatados de um navio naufragado na costa.
A casa, que já foi a mais importante de Figueira da Foz, teve vários usos ao longo de seus quatro séculos de existência, incluindo teatro, assembleia legislativa e museu municipal.
Eu gostei muito da cidade, com seu calçadão à beira mar e uma marina simpática.

Tínhamos vista para ela da nossa janela, na simpática pousada Marina Charming House, que recomendo.
Se você estiver pensando em passar uns dias na praia em Portugal e quiser saber mais sobre como seria passar esse tempo em Figueira da Foz, você pode começar a pesquisa lendo esse post.
Dicas práticas para explorar essa região
Dá para se locomover de trem entre as três principais cidades: de Coimbra há trens tanto para Aveiro quanto para Figueira da Foz.
Mas o melhor mesmo é estar de carro para dar uma esticadinha até a Costa Nova, que fica na freguesia da Gafanha da Encarnação.
Estando de carro, você pode parar também em Montemor-o-Velho, entre Figueira e Coimbra, onde existe um castelo dede o tempo dos mouros (século X).
Quem está com pressa, consegue dar uma passada rápida em Aveiro, Costa Nova e Figueira no mesmo dia.
Para quem quer dar uma parada e descansar na beira do mar por uns 2 ou 3 dias, tanto Costa Nova quanto Figueira são boas opções.
Costa Nova é mais tranquila e excelente para caminhadas, seja no calçadão na beira da Ria quanto na areia da beira da praia. O centrinho do balneário tem algumas boas opções de restaurante.
Figueira tem bem mais estrutura e é mais agitada, especialmente nos meses e finais de semana do verão.