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Pensar na Irlanda é pensar nos celtas, que começaram a chegar na ilha a partir do ano 500 A.C. e, ao misturar seu idioma e sua cultura ao dos primeiros habitantes do país, constituíram a cultura irlandesa.

Hoje, a marca mais presente dessa época é o idioma conhecido como irlandês gaélico, ainda falado por 40% da população. Esse percentual é maior em algumas regiões do país, e a gente visitou as Ilhas Aran, onde 57% dos habitantes fala o idioma diariamente.

Os celtas acreditavam em muitos deuses. E os guardiões das crenças celtas eram chamados de druidas. Como líderes espirituais, eram eles que lideravam as cerimônias religiosas.

Quando os cristãos chegaram, a partir do século V, muitos druidas desafiaram, por meio do debate, a nova religião. E acredita-se que muitos druidas tenham se convertido ao cristianismo.

Os cristãos fundaram mosteiros e, neles, a cultura celta/irlandesa foi absorvida. É comum, ao ler artigos sobre essa época, encontrar o termo “monges celtas”.

Foram os monges que escreveram pela primeira vez textos celtas que, até aquela época, existiam apenas de forma oral.

A expansão do cristianismo foi marcada pela chegada de Saint Patrick, que é hoje padroeiro da Irlanda.

É sobre essa história, e sobre o que a gente ainda pode ver dela na Irlanda hoje, que eu vou te contar nesse post.

O Idioma Irlandês Gaélico

Os celtas ocupavam boa parte do oeste europeu no primeiro milênio antes de Cristo. A partir do século V A.C., eles começaram a migrar para a Irlanda, provavelmente vindos da Península Ibérica.

Seu idioma era chamado Q-Celtic. Ele foi misturando-se ao idioma então falado na ilha e, dessa combinação, surgiu o irlandês gaélico que, até hoje, é falado em várias regiões do país.

O conjunto dessas regiões é chamado de Gaeltacht e aqui tem um mapa que mostra quais elas são. Uma delas são as Ilhas Aran, que, em irlandês são chamadas Oileáin Arainn.

Visitando as Ilhas Aran

Segundo o censo de 2016, 57% da população dessas ilhas fala o idioma gaélico irlandês diariamente. 

Dá para perceber: já viu uma placa de trânsito assim antes?

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São 3 ilhas: Inishmore, Inishmaan e Inisheer. Por serem bastante isoladas, elas preservaram não só a língua, como também antigas tradições e costumes.

Os tradicionais blusões de lã produzidos nas ilhas (Aran Sweaters) são famosos por sua lã grossa e pelos pontos e padrões bastante característicos da região.

A loja mais famosa é a Aran Sweater Market (em Inishmore), mas também há outras, como a Inis Meáin Knitting Co.

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As principais atrações das ilhas são antigos fortes de pedra como Dún Aonghasa, Dún Duchathair e Dún Eochla (em Inishmore) e Dún Chonchúir (em Inishmaan) e ruínas de igrejas medievais, como Cill Cheannanach (em Inishmaan), construídas entre os séculos VIII e IX.

É importante reservar hotel nas ilhas antes de ir. Normalmente há hospedagem disponível, mas às vezes acontecem eventos por lá e aí fica complicado de achar hotel ou hostel, já que eles são poucos.

O site Aran Islands mostra como chegar nas ilhas de barco ou de avião. Nós fomos de barco, saindo de Doolin, uma cidadezinha a 7 km das falésias de Moher.

Doolin, capital da música tradicional irlandesa

É possível pegar um barco para as ilhas Aran a partir de Rossaveal, que fica perto de Galway. Mas a gente pegou o ferry em Doolin, uma cidadezinha de cerca de 500 habitantes, mas que é super popular por ser considerada a capital da música tradicional irlandesa.

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A cidade, que fica a 8 km das falésias de Moher, tem alguns dos pubs mais tradicionais da Irlanda, como o Gus O’Connors. Como você pode imaginar ele é super turístico e está sempre lotado. Não conseguimos entrar.

Então, seguimos a dica dos locais: entrar num pub qualquer de beira de estrada, pois, segundo eles, a música é sempre boa. E, quanto menos turístico, mais tradicional.

Foi uma excelente dica. Pertinho de onde estávamos hospedados ia ter música tradicional irlandesa ao vivo no Bloody Cranesbill Gastrobar, no hotel Cliffs of Moher. Entramos e foi excelente. Um lugar pequeno, bastante cheio (pegamos a última mesa livre) e com música espetacular.

Pra quem estiver interessado em hospedar-se em Doolin (e poder ir aos pubs mais famosos à pé), sugiro reservar hotel com bastante antecedência. Conseguir hospedagem para os finais de semana é bem díficil. Nós não conseguimos.

A cultura celta nos mosteiros medievais

Além do idioma, a gente vê marcas dos celtas nos mosteiros medievais.

Como eu falei antes, o cristianismo expandiu-se no país com a chegada de Saint Patrick, hoje padroeiro da Irlanda.

Saint Patrick chegou no século V e  passou anos viajando pelo norte do país, pregando para os irlandeses pagãos. Conta a lenda que um dia ele colheu uma mão cheia de trevos para tentar explicar a Santíssima Trindade – e é por isso que o trevo é hoje um símbolo nacional.

Em apenas dois séculos, o cristianismo passou a ser a principal crença do país. Esse processo foi pacífico e possibilitou a fusão da cultura celta à cultura cristã.

Os monges, que escreviam seus textos em latim, passaram também a transcrever o que escutavam no idioma irlandês gaélico, que, até então, existia apenas na forma oral.

E a arte celta, com suas formas geométricas, passou a ser incorporada pelo cristianismo irlandês: nas cruzes e epitáfios de pedras, na decoração de cálices e nas ilustrações de livros religiosos.

Entre os livros religiosos, destaca-se o Livro de Kells (Book of Kells), um dos mais famosos manuscritos medievais. Ele está em exposição no Trinity College, em Dublin.

Cruzes Celtas nos Mosteiros Medievais

Os primeiros mosteiros pareciam-se com cidades, mas funcionavam como universidades.

Eles tinham uma arquitetura bastante similar: havia sempre uma igreja e uma torre redonda, um pouco afastadas uma da outra, e uma alta cruz de pedra entre elas.

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Essas cruzes de pedra são hoje conhecidas como Cruzes Altas Irlandesas (Irish High Crosses). Elas indicavam um local sagrado e eram o ponto onde a comunidade se reunia. Elas são hoje um dos símbolos da Irlanda.

Suas principais características, além da altura, eram o material de que eram feitas (pedras de arenito) e pela existência de um círculo unindo a base e os braços da cruz.

Elas podem ser classificadas em 3 categorias, dependendo da época da sua construção: Cruzes Celtas, Cruzes Altas e Cruzes de Escrituras.

Cruzes Celtas são as mais antigas, produzidas nos séculos VIII e IX. Elas eram decoradas com arte típica desse povo: figuras geométricas, entrelaçamentos, nós, espirais.

As que são simplesmente chamadas de Cruzes Altas são as cruzes produzidas a partir do século IX, quando elas passaram a incluir imagens.

Com o passar do tempo, os sinais celtas sumiram das cruzes, sendo substituídas por imagens da Bíblia. As cruzes desse tipo são chamadas de Cruzes das Escrituras. Ainda há cerca de 30 cruzes desse tipo na Irlanda.

Clonmacnoise e suas Irish High Crosses (Cruzes Altas Irlandesas)

A gente visitou Clonmacnoise, a cidade monástica irlandesa mais antiga e uma das mais importantes. O mosteiro  foi fundado no ano 545 e tornou-se um importante centro de estudos no século IX.

Esse mosteiro ainda tem 3 Cruzes Altas antigas, uma de cada estilo.

A representante do estilo Cruz Celta é chamada de Cruz do Norte. Infelizmente, só sua coluna vertical sobreviveu à ação do tempo.

Ela pode ser vista no pequeno museu do mosteiro (onde podem ser vistas também as outras duas, de que vou falar em seguida). No local onde ela estava originalmente foi colocada uma réplica.

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A segunda Cruz Alta que pode ser vista em Clonmacnoise é a Cruz do Sul, representante da segunda fase. Ela tem 3,7 metros de altura. Acredita-se que ela seja do começo do século IX.

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A terceira Cruz Alta de Clonmacnoise é representante da fase seguinte, ou seja, é uma das 30 Cruzes das Escrituras que ainda existem na Irlanda. E é uma das mais bem preservadas do país.

As fotos abaixo mostram a original, no museu (foto da direita), e a réplica, no local onde ela estava originalmente (foto da esquerda).

Para saber mais sobre a evolução das Cruzes Altas Irlandesas, leia esse artigo do blog Trip Savvy.

Clonmacnoise também tem epitáfios com inscrições em irlandês gaélico. Em geral, a inscrição tem um nome de pessoa antecedido pela palavra Oroit (Or) do, que é um pedido para que se reze pela pessoa em questão.

Nesse epitáfio, por exemplo, o texto diz “Or do Odran hua eolais“, que significa “Uma oração para Odran que tinha o conhecimento”.

As Torres Redondas Irlandesas

Outro destaque do mosteiro Clonmacnoise é sua Torre Redonda, que ficou pronta no ano 1124.

As Torres Redondas (Round Towers) são típicas da Irlanda. Há apenas 3 fora do país: 2 na Escócia e 1 em Isle of Man, entre a Irlanda do Norte e a Inglaterra.

Há 65 dessas torres esparramadas por todo o país. Sua função principal era a de ser a torre do sino e elas eram construídas sempre próximas a igrejas.

Mas não se sabe muito mais sobre elas. Alguns dizem que suas portas elevadas indicam seu uso como refúgio no caso de ataques, outros dizem que as portas eram elevadas apenas para dar mais estabilidade à construção.

Kilmacduagh

A Torre Redonda mais alta da Irlanda fica no mosteiro, Kilmacduagh, a 100 km de Clonmacnoise e já na região conhecida como Burren (para saber mais sobre essa região, que inclui as falésias de Moher, leia o meu post sobre isso).

O mosteiro de Kilmacduagh foi fundado no século VII e vários outros prédios foram construídos na área a partir dessa data. Ele viveu sua fase de maior importância no século XII, quando foi sede de um bispado.

Sua Torre Redonda tem 34 metros de altura. E está inclinada, como a Torre de Pisa: há uma diferença de meio metro entre sua base e seu topo.

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Se você quer saber mais sobre esse e outros mosteiros medievais, visite o site Monastic Ireland.

E, para saber mais sobre nosso roteiro completo, que incluiu as falésias de Moher e castelos normandos, leia o post Dois Roteiros pela Irlanda.