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Comer e beber bem! A Bélgica é famosa por suas cervejas, waffles e chocolates. E os belgas juram que a batata frita, que se popularizou no mundo como French Fries, não é invenção dos franceses, mas, sim, dos belgas. E comer e beber bem é só o começo.
A Bélgica é um país rico em história, cultura e diversidade.
E, para entender o país de hoje, que se divide em três regiões com idiomas e cultura distintos (Flandres, Valônia e Bruxelas), nesse artigo eu te conto sobre os Francos, povo germânico que controlou a região no século V, sobre a dinastia Valois-Burgundy e sobre a independência da Holanda.
Para quem está mais interessado em turismo e quer saber em qual cidade parar no caminho entre Paris e Amsterdam: no final do post, a partir do sub-título “Turismo na Bélgica”, eu falo sobre a capital Bruxelas e as encantadoras Bruges e Gante (Gent, em holandês), para você decidir qual é a sua preferida.
Você também pode fazer como eu, e ficar 4 dias por lá para conhecer conhecer as três.
E lá falam Francês ou Holandês? Os dois!
Com o enfraquecimento do Império Romano, a partir do século IV, um povo germânico que vivia no sudoeste da Alemanha começou a ocupar seus antigos territórios. Eles eram os Francos.
Eles começaram ocupando as províncias romanas que correspondiam ao que hoje é a Holanda e o norte da Bélgica. Isso levou à substituição do latim por idiomas germânicos nessas áreas.
Essa situação permanece até hoje, com essas regiões tendo o holandês (dutch) como idioma oficial. A variação do holandês falada no norte da Bélgica é chamado de flamengo (flemish).
Os Francos continuaram sua expansão nos séculos seguintes. Na medida em que iam ocupando os antigos territórios do Império Romano do Ocidente, adotavam costumes locais, em especial a religião (catolicismo) e o idioma (latim).
Como as outras tribos germânicas não eram católicas, foram os Francos que obtiveram o apoio da Igreja.
E, no século IX, depois de já terem expandido seu controle para o sul da França e norte da Itália, seu rei, Carlos Magno, foi coroado pelo Papa como Imperador do Sacro Império Romano Germânico (também conhecido como Império Carolíngio).
Quando Carlos Magno morreu, seu Império desitengrou-se, com cada um de seus três filhos controlando um pedaço (Tratado de Verdun).
Lothar manteve o título imperial e ficou com a Francia Media (Holanda, maior parte da Bélgica, oeste da Alemanha, leste da França, Suiça e norte da Itália).
Carlos ficou com a Francia Occidentalis (maior parte da França e área costeira da Bélgica).
E Luis, conhecido como “o Germânico”, ficou com a Francia Orientalis (lado leste do rio Reno, que hoje corresponde à Alemanha).
Fonte: reddit
São dessa época os textos mais antigos escritos no idioma francês. E, nos séculos seguintes, os habitantes da região que havia ficado com Carlos continuaram a referir-se a si mesmos como Francos.
Por isso, pode-se dizer que a Francia Occidentalis, é a precursora da França moderna.
A região onde hoje é a Bélgica ficou dividida: o lado oeste ficou com Carlos e o resto do país ficou com Lothar.
O surgimento da atual região de Flandres (norte da Bélgica)
Bem ao norte do território de Carlos ficava uma pequena região chamada Flandres, que incluía a cidade de Bruges e seus arredores.
Em 862, o administrador dessa região, Baldwin I, casou-se com a filha de Carlos e recebeu o título de Conde de Flandres. Com o passar do tempo, sua dinastia estendeu seu poder para outras regiões.
Para o sul, o controle dos Condes de Flandres foi até Douai e Arras (atual França). Para oeste, incluiu as regiões de Gante e Antuérpia (atual Bélgica).
Embora a maioria da população de Flandres falasse flamengo, o idioma dos nobres era o francês.
Flandres tinha muita autonomia, já que nesse período os reis franceses não tinham muito poder.
E, mesmo quando essa primeira dinastia de condes extinguiu-se (em 1119), o poder de Flandres continuou crescendo.
Sua economia no século XII baseava-se na indústria de tecidos e a região detinha o monopólio sobre o comércio de lã inglesa.
Bruges, que era um entreposto importante da Liga Hanseática, tornou-se um dos mais importantes centros comerciais da Idade Média.
A França finalmente reconheceu a independência de Flandres no ano 1305.
O auge do poder de Flandres foi sob governo da dinastia Valois-Burgundy (1363-1477), que controlou, a partir de Bruges, vastos territórios que hoje são Holanda, Luxemburgo e nordeste da França.
Fonte: Wikipedia, Marco Zanoli
Os últimos governantes de Flandres independente foram Carlos (Charles, the Bold) e sua filha Maria de Borgonha (Mary of Burgundy), cujos túmulos encontram-se em Bruges, na Igreja de Nossa Senhora (The Church of our Lady).
Depois disso, Flandres acabou indo parar sob controle dos Habsburgos (que controlaram o Sacro Império Romano Germânico do século XV ao século XVIII). E com eles ficou até a Revolução Francesa.
Um novo país chamado Bélgica
Pra entender a independência da Bélgica, em 1830, a gente tem que começar pela independência da Holanda, 3 séculos antes.
Foi pelo século XIV que os franceses passaram a referir-se à região que inclui Holanda, Bélgica e Luxemburgo como Países Baixos.
Em 1572, os estados que mais tarde formariam a Holanda conseguiram libertar-se do controle dos Habsburgos. Mas a região que hoje é a Bélgica, não.
Ela continuou pertencendo à dinastia Habsburgo até ser ocupada pela França, em 1794. Mas Napoleão foi derrotado em 1815, em Waterloo (que fica em Flandres).
E com a redistribuição dos territórios do Império Francês, a área que mais tarde seria a Bélgica passou a fazer parte da Holanda.
Mas a população do sul, região conhecida como Valônia, falava francês (para ser mais preciso, uma variação do francês chamada valão). Além disso, a elite do norte (Flandres, cujo principal idioma é o flamengo) também falava francês, desde os tempos dos Condes.
A população que falava francês, maioria no sul e minoria no norte, não aceitou ser incorporada pela Holanda.
E fez uma uma revolução em 1830, que levou à independência e criação do novo país chamado Bélgica.
Um país dividido em três
Embora tenham conseguido manter os estados do norte sob seu controle e fossem economicamente mais poderosos, os “belgas franceses” não conseguiram unificar a cultura e política do país.
Os “belgas flamengos” conseguiram fazer com que seu idioma fosse reconhecido como uma das línguas oficiais do país em 1898 e, em 1960, conseguiram estabelecer uma fronteira oficial entre o norte (Flandres) e o sul (Valônia).
O curioso é que, como consequência dos grandes investimentos do pós II Guerra Mundial, a situação econômica virou. Hoje Flandres, o norte, onde se fala flamengo, tem uma economia muito mais forte do que a Valônia, o sul, onde se fala francês.
Bruxelas, a capital do país, embora fique na região de Flandres, é considerada uma terceira região, independente. E, embora ela esteja localizada na região onde o idioma mais falado é flamengo, na cidade de Bruxelas a língua mais falada é francês.
Não apenas por ser tradicionalmente a língua da elite, como, também, pela intensiva migração de pessoas da Valônia e de ex-colônias belgas ou francesas para a capital.
A terceira língua oficial do país é o alemão, falado por apenas 1% da população do país.
O país, que é uma monarquia constitucional, tem 3 níveis de governo: o federal, baseado em Bruxelas; o das regiões (Flandres, Valônia e Bruxelas); e o das comunidades linguísticas (francês, flamengo e alemão).
E as comunidades linguísticas não correspondem exatamente às regiões: a região Bruxelas corresponde em parte à comunidade linguística flamenga e, em parte, à comunidade linguística francesa; e a comunidade linguística alemã está situada na região francesa (Valônia).
Como você pode imaginar, não é fácil governar esse país, onde, vira-e-mexe, volta-se a falar em separatismo.
Para saber um pouco mais sobre essa confusão toda, você pode assistir a esse vídeo (em inglês, 16 min), que fala sobre as diferenças entre Flandres e Valônia.
Ou ler esse artigo do blog The Conversation que explica como e por que a Valônia sozinha foi capaz de barrar o acordo de livre comércio da União Europeia com o Canadá.
Turismo na Bélgica
A política é complicada, mas fazer turismo na Bélgica é ótimo!
Grande parte da população é fluente em inglês, o que facilita bastante a vida dos estrangeiros.
A comida e bebida é um espetáculo.
As cidades, pelo menos as três que eu visitei em Flandres, são cheias de charme.
E o sistema de trens é super eficiente.
Chegar lá também é fácil. Bruxelas é uma das principais cidades da União Europeia, e recebe vôos de praticamente todos os aeroportos da Europa.
E, para quem está viajando de trem ou de carro, a Bélgica está no caminho de quem vai de Paris para Amsterdam.
Por que visitar Bruges
Eu já falei tanto de Bruges que tenho certeza de que você já sabe que ela é uma cidade medieval cheia de história.
Ela é uma das cidades mais visitadas da Europa porque preserva muitas de suas características originais, incluindo muitos prédios da Idade Média.
E isso foi possível por um motivo triste: depois da morte de Maria de Borgonha, em torno do ano 1500, o Canal Zwin, que ligava a cidade ao mar e tinha sido um dos principais motivos de sua prosperidade, começou a secar.
Isso provocou redução do comércio. A cidade perdeu sua importância e ficou praticamente esquecida até o começo do século XX.
Bom para nós: graças a isso a cidade não foi modernizada. Ela é, sem dúvida, uma das cidades medievais mais bonitas que já visitei.
Mas, atenção: a parte central da cidade, que é linda, é muuuito turística. A cidade de 20 mil habitantes recebe cerca de 9 milhões de turistas por ano.
Então, recomendo visitá-la como a gente fez: durante a baixa temporada e em um dia de semana.
Começo de abril, por exemplo, é uma excelente época. Os dias são longos e, com sorte, você vai pegar sol e temperaturas agradáveis.
Por que visitar Gante
Ela é linda! Muito diferente de Bruges, porque combina um ar medieval com muita juventude e modernidade.
E, por não ser tão turística, dá uma ideia melhor de como é a vida na Bélgica.
Assim como Bruges, Gante também tem canais e manteve vários de seus prédios medievais. A área da ponte São Michel é encantadora.
Mas Gante, ao contrário de Bruges, desenvolveu-se no século XVIII, como uma importante cidade industrial, onde eram fabricados tecidos.
Logo foi criada uma universidade e aberto um canal que lhe desse acesso ao mar, possibilitando a modernização da cidade.
Tem que escolher entre Bruges e Gante? Elas são bem diferentes, então, na minha opinião, vale a pena visitar as duas.
Se realmente não der: vá a Bruges se você nunca foi a uma pequena cidade medieval com canais. Ela realmente é encantadora e merece ser visitada.
Mas se você já visitou cidades desse tipo e está mais interessado em entender como é a vida dos belgas, vá a Gante.
Caminhando pelo centro antigo e pela margem do rio Lys, você ainda vai se sentir em uma cidade medieval com canais. E, saindo daquela região, você vai ver a vida como ela é em um moderno país europeu.
Por que visitar Bruxelas
Honestamente: se você vai visitar só uma das três, eu recomendaria Bruges ou Gante. A não ser que você tenha muito interesse em política e queira conhecer a região onde fica a maioria dos órgãos da União Europeia, localizados no Bairro Europeu (European Quarter).
Ou sonhe com conhecer a Grand-Place, que é uma das praças medievais mais bonitas da Europa (especialmente à noite).
Ou seja louco pela cerveja Delirium e queira conhecer o que eles chamam de “Delirium Village“: um conjunto de 8 bares, onde você pode beber sua Delirium preferida.
O maior dos bares, o Delirium Café, tem 2.004 tipos diferentes de cerveja (em maio de 2018, pelo menos), e, por isso, o bar entrou no Livro dos Recordes (Guinness Book).
Bruxelas é uma cidade bonita, com avenidas largas e muitos museus perto do palácio real. Também é bem internacional (até um pedaço do Muro de Berlim pode ser visto lá). Mas acho menos interessante do que as outras duas.
Outros pontos turísticos famosos na cidade são a estátua Manneken Pis (um menino fazendo xixi, que, segundo algumas fontes, existe desde o século XII) e o Atomium, uma estrutura de aço de 102 metros de altura construída para a Exposição Universal de 1958.
Fui nas duas, mas, na minha opinião, são completamente dispensáveis. Guarde as 3 ou 4 horas que vai gastar para ir até o Atomium caminhando pelas ruas de Gante ou Bruges 😉
Monte o seu roteiro!
Para quem está em Paris, Amsterdam ou Londres, é super fácil ir de trem para a Bélgica. No site da SNBC você pode ver horários e preços saindo dessas cidades para Bruges, Gent e Bruxelas.
Se você está pensando em conhecer as 3, recomendo pelo menos uma noite em cada uma delas.
Em Bruges e Gent, pelo mesmo motivo: caminhar pela beira dos canais à noite é simplesmente deslumbrante. Já em Bruxelas, o motivo é outro: ver a Grand-Place à noite, quando ela é ainda mais linda.
Para os interessados em conhecer ainda mais o país, um bom começo é espiar o site Visit Belgium, que tem link para o site de turismo de cada uma das 3 regiões.
Ah, e se você ainda lembra da história das batatas-fritas: esse artigo da BBC fala de algumas curiosidades da Valônia. Entre elas está a explicação sobre por que realmente acredita-se que as French Fries são, na verdade, belgas.
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